Havia anos que Carlos planejava fazer uma cirurgia nos olhos, porém como todo filho de deus estava preocupado com sua saúde e sobre o andamento da dita cirurgia, já que quando criança lhe colocaram medo sobre o assunto.
Carlos tinha 11 ou 12 anos de idade no máximo e foi com seus pais na consulta no Hospital Evangélico, que aliás pertencia à igreja na qual sua família comungava. Consultou com um oftamologista amigo da família, o doutor Mário: um senhor tradicionalista, acomodado em sua condição de somente realizar consultas, pois tinha pavor de cirurgias.
Pareceu à Carlos que a opinião do doutor Mário sobre seu interesse de realizar a cirurgia muito tinha de pessoal, e que seu maior interesse era agradar seus pais. "Filho, é uma cirurgia delicada que pode piorar algo que está bom, é um pequeno detalhe que não mudará sua vida em nada", disse. Depois Carlos descobriu que doutor Mário trocava cheques com seu pai, além de ser viciado em masturbar-se.
Doutor Mário não tinha idéia de como era viver com esse problema de nascença, e Carlos lutava consigo mesmo sobre a decisão de fazer a intervenção cirúrgica, e nisso se passaram 15 anos.
A tecnologia havia avançado muito desde 1998 e agora haviam vários especialistas nesse tipo de cirurgia. Devia ter uma demanda grande e podia-se perceber que esse tipo de "negócio" era bem lucrativo, visto o luxo dos consultórios dos especialistas e suas agendas lotadíssimas. Depois de muito ler e conversar com médicos especialistas, Carlos conseguiu por fim achar uma médica de confiança que pudesse fazer a cirurgia.
Passou por outros médicos, dentre dos quais uns bem pilantras. Uma médica chegou ao ponto de destruir sua tentativa de fazer a cirurgia pelo plano de saúde, pois ela queria fazer no particular. Pra isso a safada tinha espaço na agenda.
Depois de muitas consultas e opiniões diversas entre os amigos, Carlos se preparou e foi para a clínica. Tinha a preocupação de continuar a viver sua vida de boêmio, por isso fez questão de confirmar com a doutora Clara se podia continuar fumando seus seis baseados de maconha diários, continuar com suas bebedeiras de fim de semana e suas transas selvagens, como ele gostava e fazia questão. Só a bebida que não podia ser ingerida enquanto tomesse os antibióticos. E assim foi.
Na sala cirúrgica havia uma equipe só de mulheres, o único homem que apareceu depois foi o anestesista, o doutor Pablo. Homem esquisito, que tinha conversado dias antes e que se interessou muito sobre a sálvia divinorum quando Carlos perguntou sobre se podia fazer uso, já que Pablo o advertiu sobre as substâncias que não deveriam ser usadas antes da cirurgia. Tinha um cavanhaque comprido demais para um médico de cidade de interior, além disse usava uns colares que seu pai dizia ser de uso de maloqueiros. Tempos depois Carlos concluiu sorrindo consigo mesmo, que a cara de louco não podia combinar mais com a profissão de doutor Pablo. Que tipo de gente quer se especializar em dopar os outros com drogas fortíssimas?
Carlos estava nervoso, já com as mangueiras enfiadas em suas veias, acompanhando seus batimentos cardíacos pelo monitor, deitado na maca na posição em que Jesus Cristo morreu na cruz. As enfermeiras usavam tocas coloridas, com estampas de desenhos animados infantis, e conversavam despreocupadas, como num passeio com suas amigas. Apesar disso ele sentia uma segurança que mesmo que não tivesse, se obrigaria a ter. Afinal, não ia morrer por falta de fé. Seria como desistir da vida. Uma grande fraquesa.
Nessa hora sensível, quis acreditar que o cardiologista fanfarrão que tinha feito o exame de risco cirúrgico estivesse certo ao lhe dar o aval para a cirurgia. O senhor nordestino já com seus mais de 60 anos falou umas três vezes em sexo e putaria nos apenas 30 minutos de exame. "Meu deus! Quantos médicos tarados não tem por aí? Coitadas de nossas mulheres!", pensou.
Tomou o sedativo e desmaiou num sono profundo e sem sonho. Derrepente algo o incomodou muito: sentia que arrancavam algo de dentro da sua garganta. Era a o aparelho pra respiração, no que tiravam, arranhou a garganta e seu instinto de sobrevivência falou mais alto que o poder da anestesia. Levantou-se de supetão, com um urro de lobisomem, se ergueu na maca e logo correram as enfermeiras para lhe controlar e voltar a sedá-lo. Essa é a lembrança que Carlos tem da realização da cirurgia. Após o ocorrido, em suas meditações solitárias pensou: "Ainda bem que isso não aconteceu na hora mais sensível, quando possivelmente a equipe feminina se divertia com seus olhos que deviam estar num prato, para facilitar o trabalho".
sábado, 25 de fevereiro de 2012
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