sexta-feira, 13 de junho de 2014

A REVOLTA E OS MOVIMENTOS ESTUDANTIS NA FRANÇA E NO BRASIL NOS ANOS 1960


INTRODUÇÃO

 

Para uma melhor compreensão dos fenômenos políticos envolvendo a juventude na década de 1960, na França e no Brasil, faz-se necessária uma breve contextualização que, longe de uma completa recuperação histórica, referencie o ambiente vivido à época.

Muitos autores classificam as revoltas de maio de 1968 como um divisor de águas na vida francesa. O descontentamento de setores da sociedade com o governo conservador do general Charles de Gaulle, que presidiu o país de 1959 a 1969, balançou as estruturas do governo.

Há que se destacar que de Gaulle - engajado no serviço militar francês desde a 1ª Guerra Mundial - cumpriu, na história do país, papel destacado na resistência à invasão da França pela Alemanha, a partir de 1940. Após a libertação de Paris em 1944, retornou como chefe do Governo provisório. Eleito presidente em 1958, assumiu em janeiro de 1959. Nos 10 anos de seu governo, o populismo, a centralização das decisões na mão do presidente e posturas políticas polêmicas nas relações internacionais fizeram-no adorado por muitos franceses e odiado por outros.

A Política Gaullista após o advento da 2ª Guerra Mundial, recusando qualquer associação da França com as políticas emanadas dos Estados Unidos ou da então União Soviética, a ascensão do ideário comunista e socialista no meio dos trabalhadores e do movimento estudantil, com suas reivindicações de melhorias na educação e mais liberdades, inclusive sexuais, conformaram um ambiente propício a manifestações e greves que foram fortemente reprimidas pelas forças policiais.

Já no Brasil, num período marcado pela chamada Guerra Fria, implementação de reformas de base por sucessivos governos sustentados pelos então Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido Comunista do Brasil (PCB), a conturbação política, aliada a uma crise econômica, predominou. Com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, a situação se agravou. Mesmo questionado, o vice, João Goulart, assumiu a presidência por curto período, sendo deposto em 1964 por um golpe militar.

A partir daí, todas as vozes de contestação ao regime foram sufocadas. Sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais foram fechados, como também entidades estudantis como as Uniões Estaduais e a União Nacional dos Estudantes (UNE) e mesmo as instituições universitárias tiveram seu cotidiano alterado pela intervenção militar. E 1968 foi marcado pelas crescentes manifestações estudantis contra a ditadura, redundando no aumento da repressão.

Invariavelmente, desde então, lideranças de movimentos campesinos, sindicais estudantis e de setores sociais ligados principalmente às igrejas foram perseguidas, presas, exiladas, torturadas e mortas. Ainda assim, coube ao movimento estudantil e às organizações de esquerda postas na clandestinidade, significativo protagonismo político e cultural na luta de resistência à ditadura.

 

JUVENTUDE E OS MOVIMENTOS CONTESTATÓRIOS

 

Segundo o sociólogo Georges Lapassade (1960) a ideia social de juventude desta época estava relacionada com uma "rebeldia sem causa", sendo a “inadaptação” da juventude à vida coletiva e sua oposição às condições de existência dita “adulta” comportamentos marcantes. Isso se manifestava, sobretudo nos países mais industrializados do mundo contemporâneo. Ou seja, em toda parte no mundo, uma minoria de jovens, reunidos em grupos “informais”, vive à margem, desenvolve condutas agressivas, chama a atenção do público e dos observadores por meios que estão fora da ordem estabelecida. Periodicamente, o público é informado pela imprensa. Consagram-se conferências ao “mal da juventude”, à sua “revolta sem causa”. Publicam-se relatórios oficiais sobre a questão. Psicólogos e sociólogos recorrem a entrevistas que permitem acumular as descrições, sem entretanto chegar a definir claramente os fatos observados e a lhes dar a razão. Tudo se passa, então, como se a sociedade estivesse reduzida a constatar aquele mal e a apontar os meios de repressão. (LAPASSADE, 1968, p. 113 apud VIANA, 2010.).

Assim a juventude é um produto social e histórico (VIANA, 2004) e, portanto, é nas relações sociais que se encontram as fontes de sua contestação. (CARANDELL, 1979; VIANA, 2004).

Mas o que é a juventude? Segundo Viana (2004), trata-se de um grupo social em processo de ressocialização. O autor explica que

No processo de socialização, a criança, através da família, da escola e da comunidade, é preparada para viver no interior de determinadas relações sociais, instituídas pelo capitalismo, adquirindo habilidades (falar, ler, escrever, etc.),valores, padrões de comportamento, etc., e um certo grau de saber necessário para sua idade e atividades sociais. O processo de ressocialização visa, fundamentalmente, preparar a força de trabalho para sua inserção no mercado de trabalho. A escola atua nos dois processos, mas de forma diferenciada, pois na ressocialização se fornece uma escolarização que permite a entrada no mercado de trabalho, seja apenas promovendo a exigência mínima em determinadas fatias deste mercado (ensino médio), ou mais aprimorado (cursos técnicos) e o de maior exigência, o ensino superior especializado (universidade). Ao lado da preparação da força de trabalho, o jovem também é preparado para o processo de imputação de responsabilidades sociais. Além da inserção no mercado de trabalho, o adulto também deve realizar outras atividades sociais, entre as quais as obrigações familiares e sociais em geral (casamento, sustento da família, cuidado dos filhos, atividades civis e institucionais, etc.). O processo de ressocialização é uma preparação do jovem para que ele se insira na “vida adulta”. (VIANA, 2004, p. 38-39).

Contudo, o trabalho, a família, as obrigações civis e políticas, entre outras, são de uma sociedade específica e trazem suas marcas nesse processo. É uma ressocialização para preparar o indivíduo para assumir o papel de adulto-padrão (LAPASSADE, 1975 apud VIANA, 2004) e este é aquele que reproduz a sociedade capitalista, se submetendo ao trabalho alienado, ao mercado, etc. Logo, é uma ressocializacão repressiva e coercitiva. (VIANA, 2004).

 

ORGANIZAÇÃO X AUTOGESTÃO

 

No movimento estudantil francês da década de 1960 observa-se a influência de correntes ideológicas derivadas do marxismo, mas há o predomínio da prática de autogestão com divisão das responsabilidades entre todos os membros de um coletivo se fortalecendo na luta autônoma. Essas práticas autogestionárias remontam ao socialismo utópico-abstrato do século XIX, embora antecedentes já existissem, mas sob formas mais restritas e menos delineadas e totalizantes. O projeto autogestionário se distingue dos projetos socialdemocrata e bolchevista por não pregar a conquista do poder estatal e sim sua destruição e substituição pela autogestão social generalizada.

Essa ala do movimento estudantil uniu ocupação das universidades com busca de apoio dos trabalhadores e ocupação de fábricas. É nesse contexto que a palavra de ordem “autogestão” ecoou e, junto com ela, uma aliança entre estudantes e proletariado que gerou a ocupação de universidades e manifestações estudantis, entre outras ações, como um amplo movimento grevista que atingiu cerca de 10 milhões de operários na França.

Não é acidental que a “revolução” tenha começado nas faculdades de Sociologia e Psicologia de Nanterre. Os estudantes viram que a sociologia que lhes era ensinada era um meio de controle e manipulação da sociedade, e não um meio de compreendê-la de modo a transformá-la. No decorrer, eles descobriram a sociologia revolucionária. Rejeitaram o nicho reservado para eles na grande

pirâmide da burocracia, o de “especialistas” a serviço do poder tecnocrático,especialistas do “fator humano” na equação industrial moderna. Descobriram também a importância da classe trabalhadora. O impressionante é que, pelo menos entre os estudantes ativos, estes “sectários” subitamente pareceram ter se tornado a maioria: seguramente esta é a melhor definição de qualquer revolução. (BRINTON, 2002, p. 19-20).

A palavra contestação significa recusa, questionamento. Contestação é o ato de manifestar descontentamento contra algo e isso pode ser realizado sob formas distintas.  Se a contestação é em relação ao conjunto das relações sociais, então é revolucionária, radical, pois coloca em questão a totalidade da sociedade e propõe uma nova sociedade. A contestação social mais significativa é aquela em que uma coletividade (grupos, classes, organizações) recusa e age contra determinadas relações sociais de forma consciente de seu caráter social.

Para Amaral Vieira (1970) as fases da “revolta da juventude”, se dividem em: a) delinqüência; b) Beatles e Hippies; c) protesto político. Podendo, a contestação juvenil se realizar na seguinte seqüência: a) lutas imediatistas; b) lutas estilistas; c) lutas institucionais; d) lutas autônomas; e) lutas revolucionárias

 

A BUSCA DE UMA REVOLUÇÃO POLÍTICA E CULTURAL E SUA REPRESSÃO

 

A década de 1960 foi pródiga em movimentos contestatórios e revolucionários em nível internacional. Acerca de tal realidade, Ridentti (1997) registra que

Em termos internacionais, foram vitoriosas ou estavam em curso inúmeras revoluções de libertação nacional, por exemplo, a Revolução Cubana (1959), a independência da Argélia (1962) e a guerra antiimperialista em desenvolvimento no Vietnã. O êxito militar dessas revoluções é fundamental para se compreender as lutas e o ideário contestador nos anos 60: havia povos subdesenvolvidos que se rebelavam contra as grandes potências, para criar um sonhado mundo novo. (RIDENTTI, 1997, p.13).

 

Tanto no Brasil como na França os movimentos estudantis tiveram grande peso nas revoltas e mobilizações daquela década. Juntamente com professores, a classe trabalhadora e intelectuais se reuniriam, discutiriam ideias e protestariam não só por interesses de classe, mas por novos valores para a sociedade, valores anti-capitalistas, anti-imperialistas, humanizadores e anarquistas que se chocariam com a moral vigente das gerações anteriores. Essa juventude buscava principalmente mudança nas relações sociais que eram vistas como arcaicas. Por isso muitos movimentos de revolta do final daquela década foram muito mais uma revolução cultural do que política.

Ilustra esta perspectiva a experiência dos Centros Populares de Cultura (CPC), vivenciada entre 1961 e 1964 no Brasil, criada por um grupo de artistas e intelectuais em articulação com a União Nacional dos Estudantes e que teve como principais articuladores o dramaturgo Oduvaldo Viana Filho, o cineasta Leon Hirszman e o sociólogo Carlos Estevam Martins.

Com autonomia administrativa o CPC funcionou inicialmente como

uma empresa, sem verbas governamentais teve que criar estratégias para manter uma folha de pagamento e ainda investir em diversos departamentos culturais. Participou do projeto UNE-Volante, uma caravana que percorreu diversas capitais brasileiras realizando espetáculos teatrais, debates políticos e shows musicais durantes os anos de 1962 e 1963 visando politizar a massa estudantil acerca dos problemas do ensino superior brasileiro. A união estudantil aproveitou da capacitação artística do CPC para propagar a idéia da reforma universitária, pagou por esse serviço e conseguiu mobilizar várias unidades regionais nessa campanha. (RAMOS, 2006, p. 4).

 

Também neste ambiente de contestação à ditadura e de valores culturais, o "Cinema Novo", que teve seu auge entre 1963 e 1970, envolve a juventude com uma proposta de produção artística comprometida com transformações no país. São marcos deste movimento 3 filmes produzidos em 1963 por jovens cineastas: "Os Fuzis", de Ruy Guerra, "Vidas secas" de Nelson Pereira dos Santos, e "Deus e o diabo na terra do sol", de Glauber Rocha. A exibição simultânea dos dois últimos no Festival de Cannes, na França, em 1964, ampliou internacionalmente a repercussão da produção cultural e da realidade brasileira naquele período.

Na música, jovens compositores e cantores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e Chico Buarque de Holanda destacavam-se com músicas de protestos e denúncia da realidade brasileira. As concepções estéticas do movimento musical "Tropicália" viriam a influenciar todo um modo de agir da juventude, que se expressava em roupas coloridas, penteados que fugiam aos padrões tradicionais e mudanças comportamentais.

Em "Produção de cultura no Brasil: da Tropicália aos Pontos de Cultura", Carvalho (2009) registra a experiência dos CPCs, as campanhas de alfabetização de adultos promovidas por estudantes e intelectuais e o movimento tropicalista como expressões da efervescência no Brasil – em termos de políticas e motivações refletidas na produção cultural – na década de 60.

 

A Tropicália (ou Tropicalismo) era, no entanto, mais um “momento” do que um movimento organizado – se comparado a outros movimentos de resistência da época. Um momento convergente de questionamentos e experimentações na produção artística do país, que propunham novas formas de se relacionar – com as artes, com o público, com a política - em busca uma identidade nacional brasileira. Este pensamento convergente não deixava de ter suas especificidades relativas às diferentes áreas culturais – música, artes plásticas, cinema, teatro – mas refletiam uma “vontade construtivista geral” de articular novas formas no fazer artístico e dar um pouco mais de cor ao cenário artístico, cultural e político do país na época. (CARVALHO, 2009, p.  66).

 

No prefácio da mesma obra, Nercolini (2009) sustenta que

Um ator social adquire forma e vai ser fundamental quando se fala na década de 60 como um todo: a juventude. Ela passou a exigir e lutar por um espaço na sociedade, que até então lhe fora negado ou restringido. Para essa juventude/60, a contestação foi a pedra de toque; os jovens buscavam criar seus próprios espaços de criação e manifestação, contrapondo-se aos padrões sociais vigentes. Havia uma confluência das várias artes e seus criadores e uma busca dos jovens por interferir nos rumos das sociedades onde viviam e criavam. Arte, cultura e política articulados em busca da revolução, a palavra que deu o tom dos anos 60. Tomada em diferentes acepções de acordo com a tendência política a que o artista estava ligado, a revolução deu a linha para a criação de muitos e importantes artistas plásticos, cantores, compositores, poetas, escritores ou cineastas, quanto de dramaturgos, atores e intelectuais acadêmicos. Esses criadores acreditavam ser uma vanguarda revolucionária e buscavam agir como tal. Imbuídos da “missão” de construir o novo, a nova sociedade, a arte, a música, o teatro, o cinema novo, renegavam o status quo estabelecido e sentiam-se capazes de fomentar transformações macrossociais e ditar rumos considerados mais justos para as sociedades onde viviam. Acreditava-se na eficácia política da arte revolucionária. (NERCOLINI, 2009, p. 18 -19)

 

No Brasil, após o golpe militar de 1964, a UNE (União Nacional dos Estudantes) foi posta na ilegalidade. Mesmo assim continuou atuando na clandestinidade até 1968 quando milhares de estudantes foram presos.

Em março daquele ano, quando participava de um protesto contra o aumento do preço das refeições no restaurante universitário "Calabouço", o estudante secundarista Edson Luis de Lima e Souto, de 18 anos, foi morto por um tiro a queima roupa de um policial militar. Alguns historiadores registram este como o primeiro assassinato de estudante no regime ditatorial instaurado a partir de 1964. Várias outras manifestações de estudantes foram reprimidas por forças policiais no Rio de Janeiro.

Em 22 de junho de 1968, uma manifestação estudantil, em frente à embaixada norte-americana no Rio, culminou com uma batalha campal que ficou conhecida como "Sexta-Feira Sangrenta". Dela resultaram 28 mortes, centenas de feridos, mil presos e 15 viaturas da polícia incendiadas. Quatro dias depois, em 26 de junho realizava-se a maior manifestação pública daquele período, a "Passeata dos Cem Mil". O movimento, considerado uma das mais expressivas manifestações da história republicana brasileira, contou também com a participação de artistas, intelectuais, políticos e representantes de segmentos da sociedade civil. Reivindicou o fim da ditadura e denunciou a privatização das universidades e o acordo MEC-USAID, instituído em Novembro de 1966, entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID), que promoveu uma reforma no ensino brasileiro, alterando o tempo de duração de cursos, instituindo os cursos de "primeiro grau", "segundo grau" e "terceiro grau", reduzindo a carga horária da matéria de História e impondo ao Brasil a contratação de assessoramento Norte-americano e a obrigatoriedade do ensino da Língua Inglesa desde a primeira série do primeiro grau. (WIKIPEDIA, 2013).

 

Outro fato histórico daquele período foi o desmantelamento, pelo aparato policial militar, do clandestino 30º Congresso da UNE. Em sua edição de 13 de agosto de 1968, o jornal Folha de São Paulo assim registrou o fato:

Cerca de mil estudantes que participavam do XXX Congresso da UNE, iniciado clandestinadamente num sitio, em Ibiuna, no Sul do Estado, foram presos ontem de manhã por soldados da Força Publica e policiais do DOPS. Estes chegaram sem serem pressentidos e não encontraram resistencia. Toda a liderança do movimento universitario foi presa: José Dirceu, presidente da UEE, Luís Travassos, presidente da UNE, Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana de Estudantes, e Antonio Guilherme Ribeiro Ribas, presidente da União Paulista de Estudantes Secundarios, entre outros. Eles foram levados diretamente ao DOPS. Os demais estão recolhidos ao presidio Tiradentes [...] Depois de avançar alguns quilometros de carro e outro trecho a pé, por causa da lama da estrada, 215 policiais chegaram ao local às 7h15 de ontem, organizaram o cerco aos estudantes e dispararam algumas rajadas de metralhadora para o ar, para intimidá-los. Sem resistir, os congressistas foram colocados em fila e levados aos onibus requisitados para transportá-los para a capital. O governador Abreu Sodré, ao ser homenageado por trabalhadores do DAE, no Horto Florestal, referiu-se ao episodio e reafirmou sua disposição de "manter a paz e a tranquilidade para a população que deseja trabalhar". E acrescentou, referindo-se à prisão dos participantes do congresso da UNE: "Agi com energia para reprimir a agitação e a subversão quando determinei, após horas de angustia e apreensão, a prisão de estudantes subversivos que participavam do congresso da UNE.

(FOLHA DE SÃO PAULO, 1968) [mantida a grafia original]

 

 

Após estes episódios, e objetivando conter a crescente insatisfação popular, o governo militar edita, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional Nº 5, que fechou o Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, cassou direitos civis, proibiu manifestações públicas de natureza política e instituiu a censura no país,  estendida à imprensa, à música, ao teatro e ao cinema. A partir daí, diversos segmentos do movimento estudantil ligados a organizações políticas optaram por movimentos de guerrilha, respondendo no mesmo tom dos militares.

 

AS ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS NO CONTEXTO BRASILEIRO DOS ANOS 60

Segundo Santana (2007), o PCB – sigla que, até 1961, correspondeu a Partido Comunista do Brasil e, daí em diante, a Partido Comunista Brasileiro –tinha forte influência no movimento estudantil nesse período. Além de alterar o seu nome, o PCB havia assumido uma nova linha política, após discussões incansáveis: a concepção da revolução brasileira em duas etapas.

Para Gorender (1987) tal concepção era proveniente do Sexto Congresso da Internacional Comunista, realizado em 1928, e se apresentava da seguinte forma: “a primeira etapa em curso seria a da revolução nacional e democrática, de conteúdo antiimperialista e antifeudal. Após a vitória dela é que se passaria à segunda etapa – a da revolução socialista”.

Santan (2007) aponta ainda que, para realizar a revolução, o PCB também propunha uma aliança de forças sociais que incluía o proletariado, os camponeses, a pequena burguesia e a burguesia nacional. O partido, assim como outras organizações de esquerda, tinha como requisito a hegemonia do proletariado, mas também acreditava poder fazer uma aliança com a burguesia, vista pelas outras esquerdas como uma classe vacilante, que defendia apenas interesses próprios.

Já o Partido Comunista do Brasil (PC do B), originado da cisão do PCB em fevereiro de 1962, era outra entidade de esquerda que aglutinava estudantes. A coexistência de dois partidos comunistas foi formalizada numa Conferência Nacional Extraordinária, na qual o PC do B aprovou um Manifesto-Programa que defendia a conquista de um governo popular revolucionário e repelia a luta pelas reformas de base. Para os militantes do novo partido a “tarefa imediata devia ser a instauração do novo regime – antiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista. O que não se daria pelo inviável caminho pacífico, porém pela violência revolucionária”. (GORENDER, 1987).

Criado em 1953, o Partido Operário Revolucionário (Trotskista) – POR (T) – também tinha grande adesão de estudantes no início dos anos 60. Filiado à Quarta Internacional, o POR (T) vinculou-se à facção orientada pelo argentino Homero Cristali – cujo pseudônimo era J. Posadas –, que havia elaborado um modelo de transição do nacionalismo pequeno-burguês para o Estado operário, com inspiração na revolução cubana.

Outra organização comunista com expressão no meio estudantil entre 1961 e 1964 era a ORM-POLOP (Organização Revolucionária Marxista – Política Operária), que desde o início reuniu intelectuais em torno da crítica ao PCB e a sua insistência em viabilizar a revolução através da aliança com a burguesia. Produzia um jornal, que depois se transformou em revista, chamado Política Operária, onde apresentava seus posicionamentos políticos.

Daniel Aarão Reis Filho aponta que a intenção da POLOP era “constituir um movimento operário independente da tutela das classes dominantes”, formando um “partido revolucionário de vanguarda”. Embora tivesse toda essa vontade de conduzir a revolução brasileira, a ORM-POLOP, assim como o POR(T), não obteve muito sucesso, como evidencia Gorender (REIS FILHO,1987, p. 36)

Também com expressiva influência junto à juventude universitária da época, outra organização política de foi a Ação Libertadora Nacional (ALN), que tinha em Carlos Marighella sua principal liderança. Expulso do PCB depois de participar, em Havana, sem autorização do partido, da Conferência Internacional que deu origem à Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS) – comprometida com as definições cubanas sobre a luta armada no continente –, Marighella, juntamente com as bases paulistas, criou, em julho de 1968, o agrupamento comunista de São Paulo, que pouco tempo depois recebeu o nome de Ação Libertadora Nacional (ALN). A nova organização, assim que se formou, partiu imediatamente à prática de ações armadas, rompendo de vez com o caminho pacífico defendido pelo PCB, e aglutinou muitos estudantes – sendo a maioria, cerca de 70%, proveniente da Dissidência Estudantil de São Paulo – e membros da Corrente Revolucionária, principalmente de Minas Gerais. Embora seguisse a teoria cubana de revolução, incorporou elementos da experiência brasileira e do pensamento individual do seu fundador, destacando-se em ações de guerrilha urbana.

Segundo Gorender (1987, p. 98) em dezembro do mesmo ano, a ALN começou os assaltos com finalidade de expropriação de fundos. A primeira ação – como se dizia na esquerda armada – interceptou um carro transportador de dinheiro, no bairro paulistano de Santo Amaro [...]. Seguiram-se outros assaltos a agências bancárias, a expropriação do carro pagador da Massey Ferguson, a apreensão de explosivos da Companhia Rochester, em Mogi das Cruzes. A ação mais sensacional foi o assalto a um trem pagador da estrada de ferro Santos-Jundiaí, em 10 de agosto de 1968.

Ao longo de 1968, não se conhecia os autores das ações armadas, até que, depois de um assalto ao carro pagador do Instituto de Previdência do Estado da Guanabara (IPEG), em 13 de novembro do mesmo ano, a polícia prendeu o motorista do veículo usado pelos guerrilheiros, e este, sob tortura, revelou a participação de Marighella na ação. A partir de então, Marighella tornou-se o inimigo público número um dos órgãos de repressão. Vale comentar que o desfecho dessa ação foi trágico, pois, na volta para São Paulo, os dois estudantes que participaram do assalto morreram em uma colisão de seu carro com um caminhão.

Essa seqüência de embates políticos, aliada ao início da participação de estudantes em ações armadas, provocou um desgaste muito grande do movimento estudantil. Tanto que o 30º Congresso da UNE, é mencionado por vários autores como o ápice da quebra de unidade no movimento. (SANTANA, 2007)

 

AS MOBILIZAÇÕES NO CONTEXTO FRANCÊS

 

 

Na França existia a UNEF (União Nacional dos Estudantes Franceses) que foi importantíssima para a revolta generalizada de Maio de 1968. Havia, como no Brasil, uma disputa entre os "partidos" estudantis de esquerda dentro da UNEF. A UNEF foi controlada pelos comunistas a partir de 1962. Em 1965 três correntes foram expulsas da UNEF: simpatizantes do comunismo italiano, trotskistas e maoistas. Ela acabou dividida em duas: a UNEF dirigida pela extrema esquerda e a UNEF renovada, dirigida por comunistas e outros partidos reformistas. O presidente da UNEF em 1968 era Jacques Sauvagcot, e foi ele um dos principais líderes do maio de 68.

O grupo que seria responsável pelo estopim da revolta de maio de 1968 surgiu a partir da Unidade Universitária de Nanterre, periferia de Paris. Chamava-se "22 de Março", e sua primeira revolta foi motivada porque os estudantes da ala masculina da moradia estudantil eram proibidos de visitar a ala feminina.

Grupos de extrema esquerda, poetas, músicos e cerca de 150 alunos ocuparam o prédio da Universidade de Paris em Nanterre. A administração da instituição convocou a polícia, que cercou o prédio.  Após criticarem a discriminação de classe na sociedade francesa, a burocracia que controlava a universidade e publicarem um manifesto, os estudantes deixaram o prédio. Dias depois, no entanto, os líderes do movimento foram convocados pelo comitê disciplinar da universidade.

Após meses de conflito, em 2 de maio a universidade em Nanterre foi fechada, gerando protestos de estudantes e professores da Universidade de Sorbonne no dia seguinte, que também foram reprimidos. No dia 6 de maio, uma manifestação estudantil no Arco do Triunfo, com apoio de trabalhadores, reivindicou a libertação de estudantes presos e a retirada de todas as acusações contra eles e a reabertura das Universidades em Nanterre e Sorbonne, com a consequente retirada das forças policiais dos espaços universitários.

Também preocupado com uma aliança eleitoral estabelecida entre os comunistas e socialistas franceses em fevereiro de 1968, o governo de Charles de Gaulle prosseguiu na contenção violenta das mobilizações. Sucederam-se, no mês de maio, manifestações e choques com a polícia (onde manifestantes montaram barricadas e atiraram coquetéis molotov contra as forças de repressão), ocupações de fábricas pelos trabalhadores e uma greve geral de um dia que contou com a participação de cerca de 10 milhões de pessoas, o equivalente a pouco mais de 20% da população das regiões metropolitanas francesas na época.

Mesmo após as principais federações sindicais de esquerda, a Confédération Génerale de Travail (CGT) e a Força Ouvrière (CGT-FO) celebrarem acordo com as entidades patronais francesas assegurando melhorias salariais aos trabalhadores e o Partido Comunista Francês posicionar-se contrário, por considerar que não havia condições de derrubar o governo instalado pela via da força, mas sim pelo caminho eleitoral, as manifestações prosseguiram, insufladas por militantes socialistas e anarquistas, como Daniel Cohn-Bendit, um alemão judeu de 23 anos que estudava sociologia, frequentava encontros e atos anarquistas e liderava o grupo 22 de Março. Em 28 de maio, Francois Mitterrand, da Federação da Esquerda Democrática e Socialista, afirmou estar pronto para formar um novo governo.

Temeroso quanto a uma iminente guerra civil, no final de maio o primeiro ministro Georges Pompidou pressionou de Gaulle a fechar a Assembleia Nacional, convocar eleições e renunciar. Sucedeu-se um momento de vácuo de governo e manifestantes comemoravam nas ruas o "triunfo da revolução" e uma propalada fuga do presidente. No entanto, contrariando as expectativas, de Gaulle não renunciou, convocou eleições legislativas para 23 de junho e ordenou que os trabalhadores voltassem ao trabalho, sob a ameaça de instituição de Estado de Emergência no país caso isso não ocorresse. Imediatamente após sua manifestação, ocorreu uma marcha de 800 simpatizantes pela Champs-Elysées em apoio ao governo.

Com as ações carismáticas de Charles de Gaulle e a concordância do Partido Comunista Francês com as eleições, o movimento contestatório rapidamente se dissipou. Nas eleições de 23 de junho, os gaullistas obtiveram um número de cadeiras ainda maior na Assembleia Nacional. Após a estrondosa vitória, de Gaulle renunciou, sendo sucedido por Pompidou.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

 

Para Matos (1998), 1968 recusou cabalmente pertencer ao século XX,

 

[...] criticou a sociedade do espetáculo, a ética do consumo, o urbanismo da alienação em nome da lógica do mercado, da indústria, da ciência e da técnica despoetizadoras. Criticou o cientismo - a adesão à "ciência em si", atitude que não interroga seus fins, se justos ou desejáveis. Recusou o trabalho alienado, que "arruina o corpo e martiriza o espírito"; recusou a alienação material e moral. Recusou a política tradicional, a moral tecnocrática, a lógica da hierarquia e da submissão muda; recusou a transcendência do poder e a eficácia de suas leis. [...] o movimento de 1968 foi vermelho, negro e azul, aliando as cores do marxismo, do anarquismo e do romantismo revolucionário. Cor do romantismo, o azul domina a visão do sonhador e do poeta. (MATOS, 1998, p. 4).

 

Referindo-se tanto às mobilizações na França e no Brasil, como também em diversas outras partes do mundo, Ridentti (2000) destaca algumas características dos movimentos contestatórios e libertários de 1968:

[...] inserção numa conjuntura internacional de prosperidade econômica; crise do sistema escolar; ascensão da ética da revolta e da revolução; busca de alargamento dos sistemas de participação política, cada vez mais desacreditados; simpatia pelas propostas revolucionárias alternativas ao marxismo soviético; recusa de guerras coloniais ou imperialistas, negação da sociedade de consumo; aproximação entre arte e política; uso de recursos de desobediência civil; ânsia de libertação pessoal das estruturas do sistema (capitalista ou comunista); mudanças comportamentais; vinculação estreita entre lutas sociais amplas e interesses imediatos das pessoas; aparecimento de aspectos precursores do pacifismo, da ecologia, da antipsiquiatria, do feminismo, do movimento de homossexuais, de minorias étnicas e outros que viriam a desenvolver-se nos anos seguintes. (RIDENTTI, 2000, p. 156).

 

Já Weber (1999) considera que o movimento de 1968 foi dirigido contra todas as formas autoritárias de poder, expressas tanto nas escolas e universidades, quanto na família, nas relações de trabalho, em todas as organizações e na sociedade política. Para o escritor e senador pelo Partido Socialista francês em 1999, o conturbado cotidiano de maio de 1968 na França

[...] É a rejeição de toda a forma de poder baseada na força, na coação e na tradição. E é a aceitação como única forma de poder legítimo do que for baseado no consentimento dos indivíduos, seja porque eles reconheçam o poder como competente, seja porque eles mesmos o designaram mediante eleições. É a aspiração ao direito de participação para todos igualmente, à tomada de decisões. (WEBER, 1999, p. 22).

 

Conclui-se que algumas semelhanças existiram entre os Movimentos Estudantis francês e brasileiro. Os estudantes franceses não acreditavam no bom senso do governo e sim na opinião e criatividade das massas, assim como os estudantes brasileiros, que lutavam contra a ditadura e pelo direito à democracia.

 

Respeitadas as singularidades de cada realidade, alguns pontos comuns nos dois países, como em diversas partes do mundo eram bastante sensíveis, como a crescente urbanização, massificação imposta pela indústria cultural, ampliação do número de jovens na composição etária das populações, aumento das classes médias, ampliação do acesso ao ensino superior, avanços tecnológicos como o surgimento e rápido crescimento da televisão como meio de comunicação de massa e surgimento de expressões culturais com repercussões mundiais, mais notadamente dos Beatles, que influenciaram toda uma geração.

 

As mobilizações ocorridas naquele período revestiram-se de grande aspiração por democracia, liberdade, igualdade, além da ampliação e respeito aos direitos individuais e coletivos e da rejeição de todas as formas de dominação, expressas em modelos tradicionais ou mesmo naqueles apresentados à época como ultramodernos.

 

Seguramente, as manifestações de 1968 inserem-se na História contemporânea com reflexos que são alvo de muitas discussões e análises nos tempos atuais, inclusive com vários dos personagens daquele período ocupando cargos destacados nos parlamentos e governos de vários países, entre eles França e Brasil.
No entanto, longe de mitificar aquele período, certo é que, para além de identificar as transformações políticas e culturais que gerou, permanece presente no comportamento juvenil o desejo de um futuro renovado. E igualmente permanece atual o questionamento, na sociedade em geral, da factibilidade dos sonhos libertários acalentados pelos "rebeldes" de 1968