INTRODUÇÃO
Para uma melhor compreensão dos fenômenos políticos envolvendo a
juventude na década de 1960, na França e no Brasil, faz-se necessária uma breve
contextualização que, longe de uma completa recuperação histórica, referencie o
ambiente vivido à época.
Muitos autores classificam as revoltas de maio de 1968
como um divisor de águas na vida francesa. O descontentamento de setores da
sociedade com o governo conservador do general Charles de Gaulle, que presidiu
o país de 1959 a 1969, balançou as estruturas do
governo.
Há que se
destacar que de Gaulle - engajado no serviço militar francês desde a 1ª Guerra
Mundial - cumpriu, na história do país, papel destacado na resistência à
invasão da França pela Alemanha, a partir de 1940.
Após a libertação de Paris em 1944, retornou como chefe do Governo provisório.
Eleito presidente em 1958, assumiu em janeiro de 1959. Nos 10 anos de seu
governo, o populismo, a centralização das decisões na mão do presidente e
posturas políticas polêmicas nas relações internacionais fizeram-no adorado por
muitos franceses e odiado por outros.
A Política
Gaullista após o advento da 2ª Guerra Mundial, recusando qualquer associação da
França com as políticas emanadas dos Estados Unidos ou da então União Soviética,
a ascensão do ideário comunista e socialista no meio dos trabalhadores e do
movimento estudantil, com suas reivindicações de melhorias na educação e mais
liberdades, inclusive sexuais, conformaram um ambiente propício a manifestações
e greves que foram fortemente reprimidas pelas forças policiais.
Já no
Brasil, num período marcado pela chamada Guerra Fria, implementação de reformas
de base por sucessivos governos sustentados pelos então Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) e Partido Comunista do Brasil (PCB), a conturbação política,
aliada a uma crise econômica, predominou. Com a renúncia do presidente Jânio
Quadros, em 1961, a situação se agravou. Mesmo questionado, o vice, João
Goulart, assumiu a presidência por curto período, sendo deposto em 1964 por um
golpe militar.
A partir
daí, todas as vozes de contestação ao regime foram sufocadas. Sindicatos de
trabalhadores urbanos e rurais foram fechados, como também entidades estudantis
como as Uniões Estaduais e a União Nacional dos Estudantes (UNE) e mesmo as
instituições universitárias tiveram seu cotidiano alterado pela intervenção
militar. E 1968 foi marcado pelas crescentes manifestações estudantis contra a
ditadura, redundando no aumento da repressão.
Invariavelmente,
desde então, lideranças de movimentos campesinos, sindicais estudantis e de setores
sociais ligados principalmente às igrejas foram perseguidas, presas, exiladas,
torturadas e mortas. Ainda assim, coube ao movimento estudantil e às
organizações de esquerda postas na clandestinidade, significativo protagonismo
político e cultural na luta de resistência à ditadura.
JUVENTUDE E OS MOVIMENTOS CONTESTATÓRIOS
Segundo o sociólogo Georges
Lapassade (1960) a ideia social de juventude desta época estava relacionada com
uma "rebeldia sem causa", sendo a “inadaptação” da juventude à vida
coletiva e sua oposição às condições de existência dita “adulta” comportamentos
marcantes. Isso se manifestava, sobretudo nos países mais industrializados do
mundo contemporâneo. Ou seja, em toda parte no mundo, uma minoria de jovens,
reunidos em grupos “informais”, vive à margem, desenvolve condutas agressivas,
chama a atenção do público e dos observadores por meios que estão fora da ordem
estabelecida. Periodicamente, o público é informado pela imprensa. Consagram-se
conferências ao “mal da juventude”, à sua “revolta sem causa”. Publicam-se
relatórios oficiais sobre a questão. Psicólogos e sociólogos recorrem a
entrevistas que permitem acumular as descrições, sem entretanto chegar a
definir claramente os fatos observados e a lhes dar a razão. Tudo se passa,
então, como se a sociedade estivesse reduzida a constatar aquele mal e a apontar
os meios de repressão. (LAPASSADE, 1968, p. 113 apud VIANA, 2010.).
Assim a juventude é um
produto social e histórico (VIANA, 2004) e, portanto, é nas relações sociais
que se encontram as fontes de sua contestação. (CARANDELL, 1979; VIANA, 2004).
Mas o que é a juventude?
Segundo Viana (2004), trata-se de um grupo social em processo de
ressocialização. O autor explica que
No
processo de socialização, a criança, através da família, da escola e da
comunidade, é preparada para viver no interior de determinadas relações
sociais, instituídas pelo capitalismo, adquirindo habilidades (falar, ler,
escrever, etc.),valores, padrões de comportamento, etc., e um certo grau de
saber necessário para sua idade e atividades sociais. O processo de
ressocialização visa, fundamentalmente, preparar a força de trabalho para sua
inserção no mercado de trabalho. A escola atua nos dois processos, mas de forma
diferenciada, pois na ressocialização se fornece uma escolarização que permite
a entrada no mercado de trabalho, seja apenas promovendo a exigência mínima em
determinadas fatias deste mercado (ensino médio), ou mais aprimorado (cursos
técnicos) e o de maior exigência, o ensino superior especializado
(universidade). Ao lado da preparação da força de trabalho, o jovem também é
preparado para o processo de imputação de responsabilidades sociais. Além da
inserção no mercado de trabalho, o adulto também deve realizar outras
atividades sociais, entre as quais as obrigações familiares e sociais em geral
(casamento, sustento da família, cuidado dos filhos, atividades civis e
institucionais, etc.). O processo de ressocialização é uma preparação do jovem
para que ele se insira na “vida adulta”. (VIANA, 2004, p. 38-39).
Contudo, o trabalho, a
família, as obrigações civis e políticas, entre outras, são de uma sociedade
específica e trazem suas marcas nesse processo. É uma ressocialização para
preparar o indivíduo para assumir o papel de adulto-padrão (LAPASSADE, 1975
apud VIANA, 2004) e este é aquele que reproduz a sociedade capitalista, se
submetendo ao trabalho alienado, ao mercado, etc. Logo, é uma ressocializacão
repressiva e coercitiva. (VIANA, 2004).
ORGANIZAÇÃO X AUTOGESTÃO
No
movimento estudantil francês da década de 1960 observa-se a influência de
correntes ideológicas derivadas do marxismo, mas há o predomínio da prática
de autogestão com divisão das responsabilidades entre todos os membros de um
coletivo se fortalecendo na luta autônoma. Essas práticas autogestionárias
remontam ao socialismo utópico-abstrato do século XIX, embora antecedentes já
existissem, mas sob formas mais restritas e menos delineadas e totalizantes. O
projeto autogestionário se distingue dos projetos socialdemocrata e bolchevista
por não pregar a conquista do poder estatal e sim sua destruição e substituição
pela autogestão social generalizada.
Essa ala do movimento
estudantil uniu ocupação das universidades com busca de apoio dos trabalhadores
e ocupação de fábricas. É nesse contexto que a palavra de ordem “autogestão”
ecoou e, junto com ela, uma aliança entre estudantes e proletariado que gerou a
ocupação de universidades e manifestações estudantis, entre outras ações, como
um amplo movimento grevista que atingiu cerca de 10 milhões de operários na
França.
Não é acidental que a “revolução”
tenha começado nas faculdades de Sociologia e Psicologia de Nanterre. Os
estudantes viram que a sociologia que lhes era ensinada era um meio de controle
e manipulação da sociedade, e não um meio de compreendê-la de modo a
transformá-la. No decorrer, eles descobriram a sociologia revolucionária.
Rejeitaram o nicho reservado para eles na grande
pirâmide da burocracia, o de
“especialistas” a serviço do poder tecnocrático,especialistas do “fator humano”
na equação industrial moderna. Descobriram também a importância da classe trabalhadora.
O impressionante é que, pelo menos entre os estudantes ativos, estes
“sectários” subitamente pareceram ter se tornado a maioria: seguramente esta é
a melhor definição de qualquer revolução. (BRINTON, 2002, p. 19-20).
A palavra contestação significa
recusa, questionamento. Contestação é o ato de manifestar descontentamento
contra algo e isso pode ser realizado sob formas distintas. Se a contestação é em relação ao conjunto das
relações sociais, então é revolucionária, radical, pois coloca em questão a
totalidade da sociedade e propõe uma nova sociedade. A contestação social mais
significativa é aquela em que uma coletividade (grupos, classes, organizações)
recusa e age contra determinadas relações sociais de forma consciente de seu
caráter social.
Para Amaral Vieira (1970) as
fases da “revolta da juventude”, se dividem em: a) delinqüência; b) Beatles e
Hippies; c) protesto político. Podendo, a contestação juvenil se realizar na
seguinte seqüência: a) lutas imediatistas; b) lutas estilistas; c) lutas
institucionais; d) lutas autônomas; e) lutas revolucionárias
A BUSCA DE UMA REVOLUÇÃO POLÍTICA E CULTURAL E SUA
REPRESSÃO
A década de 1960
foi pródiga em movimentos contestatórios e revolucionários em nível
internacional. Acerca de tal realidade, Ridentti (1997) registra que
Em
termos internacionais, foram vitoriosas ou estavam em curso inúmeras revoluções
de libertação nacional, por exemplo, a Revolução Cubana (1959), a independência
da Argélia (1962) e a guerra antiimperialista em desenvolvimento no Vietnã. O
êxito militar dessas revoluções é fundamental para se compreender as lutas e o
ideário contestador nos anos 60: havia povos subdesenvolvidos que se rebelavam
contra as grandes potências, para criar um sonhado mundo novo. (RIDENTTI, 1997, p.13).
Tanto no Brasil como na França os movimentos
estudantis tiveram grande peso nas revoltas e mobilizações daquela década.
Juntamente com professores, a classe trabalhadora e intelectuais se reuniriam,
discutiriam ideias e protestariam não só por interesses de classe, mas por
novos valores para a sociedade, valores anti-capitalistas, anti-imperialistas, humanizadores
e anarquistas que se chocariam com a moral vigente das gerações anteriores.
Essa juventude buscava principalmente mudança nas relações sociais que eram
vistas como arcaicas. Por isso muitos movimentos de revolta do final daquela
década foram muito mais uma revolução cultural do que política.
Ilustra esta perspectiva a experiência dos Centros
Populares de Cultura (CPC), vivenciada entre 1961 e 1964 no Brasil, criada por
um grupo de artistas e intelectuais em articulação com a União Nacional dos
Estudantes e que teve como principais articuladores o dramaturgo Oduvaldo Viana
Filho, o cineasta Leon Hirszman e o sociólogo Carlos Estevam Martins.
Com autonomia
administrativa o CPC funcionou inicialmente como
uma
empresa, sem verbas governamentais teve que criar estratégias para manter uma
folha de pagamento e ainda investir em diversos departamentos culturais.
Participou do projeto UNE-Volante, uma caravana que percorreu diversas capitais
brasileiras realizando espetáculos teatrais, debates políticos e shows musicais
durantes os anos de 1962 e 1963 visando politizar a massa estudantil acerca dos
problemas do ensino superior brasileiro. A união estudantil aproveitou da
capacitação artística do CPC para propagar a idéia da reforma universitária,
pagou por esse serviço e conseguiu mobilizar várias unidades regionais nessa
campanha. (RAMOS, 2006, p. 4).
Também neste ambiente de contestação à ditadura e de valores
culturais, o "Cinema Novo", que teve seu auge entre 1963 e 1970,
envolve a juventude com uma proposta de produção artística comprometida com
transformações no país. São marcos deste movimento 3 filmes produzidos em 1963
por jovens cineastas: "Os Fuzis", de Ruy Guerra, "Vidas
secas" de Nelson Pereira dos Santos, e "Deus e o diabo na terra do
sol", de Glauber Rocha. A exibição simultânea dos dois últimos no Festival
de Cannes, na França, em 1964, ampliou internacionalmente a repercussão da produção
cultural e da realidade brasileira naquele período.
Na música, jovens compositores e cantores como Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e Chico Buarque de Holanda destacavam-se
com músicas de protestos e denúncia da realidade brasileira. As concepções
estéticas do movimento musical "Tropicália" viriam a influenciar todo
um modo de agir da juventude, que se expressava em roupas coloridas, penteados
que fugiam aos padrões tradicionais e mudanças comportamentais.
Em "Produção de cultura no Brasil: da Tropicália aos
Pontos de Cultura", Carvalho (2009) registra a experiência dos CPCs, as
campanhas de alfabetização de adultos promovidas por estudantes e intelectuais
e o movimento tropicalista como expressões da efervescência no Brasil –
em termos de políticas e motivações refletidas na produção cultural – na década
de 60.
A
Tropicália (ou Tropicalismo) era, no entanto, mais um “momento” do que um
movimento organizado – se comparado a outros movimentos de resistência da
época. Um momento convergente de questionamentos e experimentações na produção
artística do país, que propunham novas formas de se relacionar – com as artes,
com o público, com a política - em busca uma identidade nacional brasileira.
Este pensamento convergente não deixava de ter suas especificidades relativas
às diferentes áreas culturais – música, artes plásticas, cinema, teatro – mas
refletiam uma “vontade construtivista geral” de articular novas formas no fazer
artístico e dar um pouco mais de cor ao cenário artístico, cultural e político
do país na época. (CARVALHO, 2009, p.
66).
No prefácio da mesma obra, Nercolini (2009) sustenta que
Um
ator social adquire forma e vai ser fundamental quando se fala na década de 60
como um todo: a juventude. Ela passou a exigir e lutar por um espaço na sociedade,
que até então lhe fora negado ou restringido. Para essa juventude/60, a
contestação foi a pedra de toque; os jovens buscavam criar seus próprios espaços
de criação e manifestação, contrapondo-se aos padrões sociais vigentes. Havia
uma confluência das várias artes e seus criadores e uma busca dos jovens por
interferir nos rumos das sociedades onde viviam e criavam. Arte, cultura e
política articulados em busca da revolução, a palavra que deu o tom dos anos 60.
Tomada em diferentes acepções de acordo com a tendência política a que o
artista estava ligado, a revolução deu a linha para a criação de muitos e
importantes artistas plásticos, cantores, compositores, poetas, escritores ou
cineastas, quanto de dramaturgos, atores e intelectuais acadêmicos. Esses
criadores acreditavam ser uma vanguarda revolucionária e buscavam agir como tal.
Imbuídos da “missão” de construir o novo, a nova sociedade, a arte, a música, o
teatro, o cinema novo, renegavam o status quo estabelecido e sentiam-se
capazes de fomentar transformações macrossociais e ditar rumos considerados
mais justos para as sociedades onde viviam. Acreditava-se na eficácia política
da arte revolucionária. (NERCOLINI, 2009, p. 18 -19)
No Brasil, após o golpe militar de 1964, a UNE (União
Nacional dos Estudantes) foi posta na ilegalidade. Mesmo assim continuou
atuando na clandestinidade até 1968 quando milhares de estudantes foram presos.
Em março daquele ano, quando participava de um
protesto contra o aumento do preço das refeições no restaurante universitário
"Calabouço", o estudante secundarista Edson Luis de Lima e Souto, de
18 anos, foi morto por um tiro a queima roupa de um policial militar. Alguns
historiadores registram este como o primeiro assassinato de estudante no regime
ditatorial instaurado a partir de 1964. Várias outras manifestações de
estudantes foram reprimidas por forças policiais no Rio de Janeiro.
Em 22 de junho de 1968, uma
manifestação estudantil, em frente à embaixada norte-americana no Rio, culminou
com uma batalha campal que ficou conhecida como "Sexta-Feira
Sangrenta". Dela resultaram 28 mortes, centenas de feridos, mil presos e
15 viaturas da polícia incendiadas. Quatro dias depois, em 26 de junho
realizava-se a maior manifestação pública daquele período, a "Passeata dos
Cem Mil". O movimento, considerado uma das mais expressivas manifestações
da história republicana brasileira, contou também com a participação de
artistas, intelectuais, políticos e representantes de segmentos da sociedade
civil. Reivindicou o fim da ditadura e denunciou a privatização das
universidades e o acordo MEC-USAID, instituído em Novembro de 1966, entre o Ministério da Educação (MEC) e a
United States Agency for International Development (USAID),
que promoveu uma reforma no ensino brasileiro, alterando o tempo de duração de
cursos, instituindo os cursos de "primeiro grau", "segundo
grau" e "terceiro grau", reduzindo a carga horária da matéria de
História e impondo ao Brasil a contratação de assessoramento Norte-americano e
a obrigatoriedade do ensino da Língua Inglesa desde a primeira série do
primeiro grau. (WIKIPEDIA, 2013).
Outro fato histórico daquele período foi o
desmantelamento, pelo aparato policial militar, do clandestino 30º Congresso da
UNE. Em sua edição de 13 de agosto de 1968, o jornal Folha de São Paulo assim
registrou o fato:
Cerca de
mil estudantes que participavam do XXX Congresso da UNE, iniciado
clandestinadamente num sitio, em Ibiuna, no Sul do Estado, foram presos ontem
de manhã por soldados da Força Publica e policiais do DOPS. Estes chegaram sem
serem pressentidos e não encontraram resistencia. Toda a liderança do movimento
universitario foi presa: José Dirceu, presidente da UEE, Luís Travassos,
presidente da UNE, Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana de
Estudantes, e Antonio Guilherme Ribeiro Ribas, presidente da União Paulista de
Estudantes Secundarios, entre outros. Eles foram levados diretamente ao DOPS.
Os demais estão recolhidos ao presidio Tiradentes [...] Depois de avançar
alguns quilometros de carro e outro trecho a pé, por causa da lama da estrada,
215 policiais chegaram ao local às 7h15 de ontem, organizaram o cerco aos
estudantes e dispararam algumas rajadas de metralhadora para o ar, para
intimidá-los. Sem resistir, os congressistas foram colocados em fila e levados
aos onibus requisitados para transportá-los para a capital. O governador Abreu
Sodré, ao ser homenageado por trabalhadores do DAE, no Horto Florestal,
referiu-se ao episodio e reafirmou sua disposição de "manter a paz e a
tranquilidade para a população que deseja trabalhar". E acrescentou,
referindo-se à prisão dos participantes do congresso da UNE: "Agi com
energia para reprimir a agitação e a subversão quando determinei, após horas de
angustia e apreensão, a prisão de estudantes subversivos que participavam do
congresso da UNE.
(FOLHA DE
SÃO PAULO, 1968) [mantida a grafia original]
Após
estes episódios, e objetivando conter a crescente insatisfação popular, o
governo militar edita, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional Nº 5, que
fechou o Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais,
cassou direitos civis, proibiu manifestações públicas de natureza política e
instituiu a censura no país, estendida à imprensa, à música, ao teatro e ao cinema.
A partir daí, diversos segmentos do movimento estudantil ligados a organizações
políticas optaram por movimentos de guerrilha, respondendo no mesmo tom dos
militares.
AS
ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS NO CONTEXTO BRASILEIRO DOS ANOS 60
Segundo Santana (2007), o
PCB – sigla que, até 1961, correspondeu a Partido Comunista do Brasil e, daí em
diante, a Partido Comunista Brasileiro –tinha forte influência no movimento
estudantil nesse período. Além de alterar o seu nome, o PCB havia assumido uma
nova linha política, após discussões incansáveis: a concepção da revolução
brasileira em duas etapas.
Para Gorender (1987) tal
concepção era proveniente do Sexto Congresso da Internacional Comunista,
realizado em 1928, e se apresentava da seguinte forma: “a primeira etapa em
curso seria a da revolução nacional e democrática, de conteúdo antiimperialista
e antifeudal. Após a vitória dela é que se passaria à segunda etapa – a da
revolução socialista”.
Santan (2007) aponta ainda
que, para realizar a revolução, o PCB também propunha uma aliança de forças
sociais que incluía o proletariado, os camponeses, a pequena burguesia e a
burguesia nacional. O partido, assim como outras organizações de esquerda,
tinha como requisito a hegemonia do proletariado, mas também acreditava poder
fazer uma aliança com a burguesia, vista pelas outras esquerdas como uma classe
vacilante, que defendia apenas interesses próprios.
Já o Partido Comunista do
Brasil (PC do B), originado da cisão do PCB em fevereiro de 1962, era outra
entidade de esquerda que aglutinava estudantes. A coexistência de dois partidos
comunistas foi formalizada numa Conferência Nacional Extraordinária, na qual o
PC do B aprovou um Manifesto-Programa que defendia a conquista de um governo
popular revolucionário e repelia a luta pelas reformas de base. Para os
militantes do novo partido a “tarefa imediata devia ser a instauração do novo
regime – antiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista. O que não se
daria pelo inviável caminho pacífico, porém pela violência revolucionária”.
(GORENDER, 1987).
Criado em 1953, o Partido
Operário Revolucionário (Trotskista) – POR (T) – também tinha grande adesão de
estudantes no início dos anos 60. Filiado à Quarta Internacional, o POR (T)
vinculou-se à facção orientada pelo argentino Homero Cristali – cujo pseudônimo
era J. Posadas –, que havia elaborado um modelo de transição do nacionalismo
pequeno-burguês para o Estado operário, com inspiração na revolução cubana.
Outra organização comunista
com expressão no meio estudantil entre 1961 e 1964 era a ORM-POLOP (Organização
Revolucionária Marxista – Política Operária), que desde o início reuniu
intelectuais em torno da crítica ao PCB e a sua insistência em viabilizar a
revolução através da aliança com a burguesia. Produzia um jornal, que depois se
transformou em revista, chamado Política Operária, onde apresentava seus
posicionamentos políticos.
Daniel Aarão Reis Filho aponta
que a intenção da POLOP era “constituir um movimento operário independente da
tutela das classes dominantes”, formando um “partido revolucionário de
vanguarda”. Embora tivesse toda essa vontade de conduzir a revolução
brasileira, a ORM-POLOP, assim como o POR(T), não obteve muito sucesso, como evidencia
Gorender (REIS FILHO,1987, p. 36)
Também com expressiva influência junto
à juventude universitária da época, outra organização política de foi a Ação
Libertadora Nacional (ALN), que tinha em Carlos Marighella sua principal
liderança. Expulso do PCB depois de participar, em Havana, sem autorização do
partido, da Conferência Internacional que deu origem à Organização
Latino-Americana de Solidariedade (OLAS) – comprometida com as definições
cubanas sobre a luta armada no continente –, Marighella, juntamente com as
bases paulistas, criou, em julho de 1968, o agrupamento comunista de São Paulo,
que pouco tempo depois recebeu o nome de Ação Libertadora Nacional (ALN). A
nova organização, assim que se formou, partiu imediatamente à prática de ações
armadas, rompendo de vez com o caminho pacífico defendido pelo PCB, e aglutinou
muitos estudantes – sendo a maioria, cerca de 70%, proveniente da Dissidência Estudantil
de São Paulo – e membros da Corrente Revolucionária, principalmente de Minas
Gerais. Embora seguisse a teoria cubana de revolução, incorporou elementos da
experiência brasileira e do pensamento individual do seu fundador,
destacando-se em ações de guerrilha urbana.
Segundo Gorender (1987, p.
98) em dezembro do mesmo ano, a ALN começou os assaltos com finalidade de
expropriação de fundos. A primeira ação – como se dizia na esquerda armada –
interceptou um carro transportador de dinheiro, no bairro paulistano de Santo
Amaro [...]. Seguiram-se outros assaltos a agências bancárias, a expropriação
do carro pagador da Massey Ferguson, a apreensão de explosivos da Companhia
Rochester, em Mogi das Cruzes. A ação mais sensacional foi o assalto a um trem
pagador da estrada de ferro Santos-Jundiaí, em 10 de agosto de 1968.
Ao longo de 1968, não se
conhecia os autores das ações armadas, até que, depois de um assalto ao carro
pagador do Instituto de Previdência do Estado da Guanabara (IPEG), em 13 de
novembro do mesmo ano, a polícia prendeu o motorista do veículo usado pelos
guerrilheiros, e este, sob tortura, revelou a participação de Marighella na
ação. A partir de então, Marighella tornou-se o inimigo público número um dos
órgãos de repressão. Vale comentar que o desfecho dessa ação foi trágico, pois,
na volta para São Paulo, os dois estudantes que participaram do assalto
morreram em uma colisão de seu carro com um caminhão.
Essa seqüência de embates
políticos, aliada ao início da participação de estudantes em ações armadas,
provocou um desgaste muito grande do movimento estudantil. Tanto que o 30º
Congresso da UNE, é mencionado por vários autores como o ápice da quebra de
unidade no movimento. (SANTANA, 2007)
AS
MOBILIZAÇÕES NO CONTEXTO FRANCÊS
Na França existia a UNEF
(União Nacional dos Estudantes Franceses) que foi importantíssima para a
revolta generalizada de Maio de 1968. Havia, como no Brasil, uma disputa entre
os "partidos" estudantis de esquerda dentro da UNEF. A UNEF foi
controlada pelos comunistas a partir de 1962. Em 1965 três correntes foram
expulsas da UNEF: simpatizantes do comunismo italiano, trotskistas e maoistas.
Ela acabou dividida em duas: a UNEF dirigida pela extrema esquerda e a UNEF renovada,
dirigida por comunistas e outros partidos reformistas. O presidente da UNEF em
1968 era Jacques Sauvagcot, e foi ele um dos principais líderes do maio de 68.
O grupo que seria
responsável pelo estopim da revolta de maio de 1968 surgiu a partir da Unidade Universitária
de Nanterre, periferia de Paris. Chamava-se "22 de Março", e sua
primeira revolta foi motivada porque os estudantes da ala masculina da moradia
estudantil eram proibidos de visitar a ala feminina.
Grupos de extrema esquerda,
poetas, músicos e cerca de 150 alunos ocuparam o prédio da Universidade de
Paris em Nanterre. A administração da instituição convocou a polícia, que
cercou o prédio. Após criticarem a
discriminação de classe na sociedade francesa, a burocracia que controlava a
universidade e publicarem um manifesto, os estudantes deixaram o prédio. Dias
depois, no entanto, os líderes do movimento foram convocados pelo comitê
disciplinar da universidade.
Após meses de conflito, em 2
de maio a universidade em Nanterre foi fechada, gerando protestos de estudantes
e professores da Universidade de Sorbonne no dia seguinte, que também foram
reprimidos. No dia 6 de maio, uma manifestação estudantil no Arco do Triunfo,
com apoio de trabalhadores, reivindicou a libertação de estudantes presos e a
retirada de todas as acusações contra eles e a reabertura das Universidades em
Nanterre e Sorbonne, com a consequente retirada das forças policiais dos
espaços universitários.
Também preocupado com uma
aliança eleitoral estabelecida entre os comunistas e socialistas franceses em
fevereiro de 1968, o governo de Charles de Gaulle prosseguiu na contenção
violenta das mobilizações. Sucederam-se, no mês de maio, manifestações e
choques com a polícia (onde manifestantes montaram barricadas e atiraram coquetéis
molotov contra as forças de repressão), ocupações de fábricas pelos
trabalhadores e uma greve geral de um dia que contou com a participação de
cerca de 10 milhões de pessoas, o equivalente a pouco mais de 20% da população
das regiões metropolitanas francesas na época.
Mesmo após as principais federações sindicais de
esquerda, a Confédération Génerale de Travail (CGT) e a Força Ouvrière (CGT-FO) celebrarem acordo com as entidades patronais
francesas assegurando melhorias salariais aos trabalhadores e o Partido
Comunista Francês posicionar-se contrário, por considerar que não havia
condições de derrubar o governo instalado pela via da força, mas sim pelo
caminho eleitoral, as manifestações prosseguiram, insufladas por militantes
socialistas e anarquistas, como Daniel Cohn-Bendit, um alemão
judeu de 23 anos que estudava sociologia, frequentava encontros e atos
anarquistas e liderava o grupo 22 de Março. Em
28 de maio, Francois Mitterrand, da Federação da Esquerda Democrática e
Socialista, afirmou estar pronto para formar um novo governo.
Temeroso
quanto a uma iminente guerra civil, no final de maio o primeiro ministro
Georges Pompidou pressionou de Gaulle a fechar a Assembleia Nacional, convocar
eleições e renunciar. Sucedeu-se um momento de vácuo de governo e manifestantes
comemoravam nas ruas o "triunfo da revolução" e uma propalada fuga do
presidente. No entanto, contrariando as expectativas, de Gaulle não renunciou,
convocou eleições legislativas para 23 de junho e ordenou que os trabalhadores
voltassem ao trabalho, sob a ameaça de instituição de Estado de Emergência no
país caso isso não ocorresse. Imediatamente após sua manifestação, ocorreu uma
marcha de 800 simpatizantes pela Champs-Elysées
em apoio ao governo.
Com as ações carismáticas de
Charles de Gaulle e a concordância do Partido Comunista Francês com as
eleições, o movimento contestatório rapidamente se dissipou. Nas eleições de 23
de junho, os gaullistas obtiveram um número de cadeiras ainda maior na
Assembleia Nacional. Após a estrondosa vitória, de Gaulle renunciou, sendo
sucedido por Pompidou.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Para Matos (1998), 1968 recusou cabalmente
pertencer ao século XX,
[...] criticou a sociedade do
espetáculo, a ética do consumo, o urbanismo da alienação em nome da lógica do
mercado, da indústria, da ciência e da técnica despoetizadoras. Criticou o
cientismo - a adesão à "ciência em si", atitude que não interroga
seus fins, se justos ou desejáveis. Recusou o trabalho alienado, que
"arruina o corpo e martiriza o espírito"; recusou a alienação
material e moral. Recusou a política tradicional, a moral tecnocrática, a
lógica da hierarquia e da submissão muda; recusou a transcendência do poder e a
eficácia de suas leis. [...] o movimento de 1968 foi vermelho, negro e azul,
aliando as cores do marxismo, do anarquismo e do romantismo revolucionário. Cor
do romantismo, o azul domina a visão do sonhador e do poeta. (MATOS, 1998, p. 4).
Referindo-se
tanto às mobilizações na França e no Brasil, como também em diversas outras
partes do mundo, Ridentti (2000) destaca algumas características dos movimentos
contestatórios e libertários de 1968:
[...] inserção numa conjuntura
internacional de prosperidade econômica; crise do sistema escolar; ascensão da
ética da revolta e da revolução; busca de alargamento dos sistemas de
participação política, cada vez mais desacreditados; simpatia pelas propostas
revolucionárias alternativas ao marxismo soviético; recusa de guerras coloniais
ou imperialistas, negação da sociedade de consumo; aproximação entre arte e
política; uso de recursos de desobediência civil; ânsia de libertação pessoal
das estruturas do sistema (capitalista ou comunista); mudanças comportamentais;
vinculação estreita entre lutas sociais amplas e interesses imediatos das
pessoas; aparecimento de aspectos precursores do pacifismo, da ecologia, da
antipsiquiatria, do feminismo, do movimento de homossexuais, de minorias
étnicas e outros que viriam a desenvolver-se nos anos seguintes. (RIDENTTI,
2000, p. 156).
Já
Weber (1999) considera que o movimento de 1968 foi dirigido contra todas as
formas autoritárias de poder, expressas tanto nas escolas e universidades,
quanto na família, nas relações de trabalho, em todas as organizações e na
sociedade política. Para o escritor e senador pelo Partido Socialista francês
em 1999, o conturbado cotidiano de maio de 1968 na França
[...] É a rejeição de toda a forma de
poder baseada na força, na coação e na tradição. E é a aceitação como única
forma de poder legítimo do que for baseado no consentimento dos indivíduos,
seja porque eles reconheçam o poder como competente, seja porque eles mesmos o
designaram mediante eleições. É a aspiração ao direito de participação para
todos igualmente, à tomada de decisões. (WEBER, 1999, p. 22).
Conclui-se que algumas semelhanças existiram
entre os Movimentos Estudantis francês e brasileiro. Os estudantes franceses
não acreditavam no bom senso do governo e sim na opinião e criatividade das
massas, assim como os estudantes brasileiros, que lutavam contra a ditadura e
pelo direito à democracia.
Respeitadas as singularidades de cada
realidade, alguns pontos comuns nos dois países, como em diversas partes do
mundo eram bastante sensíveis, como a crescente urbanização, massificação
imposta pela indústria cultural, ampliação do número de jovens na composição
etária das populações, aumento das classes médias, ampliação do acesso ao
ensino superior, avanços tecnológicos como o surgimento e rápido crescimento da
televisão como meio de comunicação de massa e surgimento de expressões culturais
com repercussões mundiais, mais notadamente dos Beatles, que influenciaram toda
uma geração.
As mobilizações ocorridas naquele período
revestiram-se de grande aspiração por democracia, liberdade, igualdade, além da
ampliação e respeito aos direitos individuais e coletivos e da rejeição de
todas as formas de dominação, expressas em modelos tradicionais ou mesmo
naqueles apresentados à época como ultramodernos.
Seguramente, as manifestações de 1968
inserem-se na História contemporânea com reflexos que são alvo de muitas
discussões e análises nos tempos atuais, inclusive com vários dos personagens
daquele período ocupando cargos destacados nos parlamentos e governos de vários
países, entre eles França e Brasil.
No entanto, longe de mitificar aquele período,
certo é que, para além de identificar as transformações políticas e culturais
que gerou, permanece presente no comportamento juvenil o desejo de um futuro
renovado. E igualmente permanece atual o questionamento, na sociedade em geral,
da factibilidade dos sonhos libertários acalentados pelos "rebeldes"
de 1968