sábado, 12 de dezembro de 2015

A velha do Maranhão

Evaristo nasceu no sul do Brasil, passou sua infância e adolescência lá, onde estudou, fez amizades, namorou algumas garotas. Sempre foi ensinado a competir pelas melhores oportunidades, pelo melhor posto. Tendência capitalista que o sul do Brasil herdou da Europa. Porém ele nunca gostou muito da ideia, e ao longo do seu amadurecimento ele foi percebendo que podia fazer diferente, podia optar por uma vida simples, que fugisse à regra do consumismo desenfreado, que fosse mais honesta sobre seus sentimentos de cooperação com os amigos e vizinhos.
Primeiro ele desistiu da ideia de ter um emprego. O emprego é como uma cadeia que prende o homem à sua mesa, ao seu escritório, oficina; inibe a criatividade, a autonomia, transforma o homem em uma engrenagem da grande máquina capitalista que enriquece os patrões, que são muito poucos comparados à imensa maioria proletária. Evaristo chegou a ter alguns negócios, pra pagar as contas, mas não se perdia no labirinto da ganância e do egoísmo.
Decidiu ir morar no norte do país, mais especificamente no estado do Maranhão. Conseguiu um sítio barato no meio do mato, no sul do estado, 30 quilômetros da cidade mais próxima, 5 quilômetros do vizinho mais próximo. Era uma vida nova, com sua mulher e seus dois filhos pequenos. Pescava no rio, criava suas galinhas, plantava alguma coisa e viviam sem luz elétrica e sem banheiro. A cagança rolava no mato. Jogava-se a enxada no ombro e seguia mata adentro procurando o local mais tranquilo e agradável. Era puro prazer. O cheiro das ervas e flores relaxava seu intestino.
Muitas histórias vivenciou Evaristo e sua bela família. Avistaram bichos em extinção, viram pegadas de onça perto da casa, cobras de todo tipo, mas pra eles era tudo aprendizado e alegria. Dormiam e acordavam com o sol. Se sentiam parte do todo, energia do mesmo planeta.
Uma coisa que lhe chamou muito a atenção foi o povo maranhense. Os que viviam na região eram bem caboclos. Mestiços de índio e negro com uma pitada de branco: uma receita tradicional brasileira. Porém eles tinham costumes e jeito bem aborígene, estilo homem das cavernas. Eles viviam da mata, da pesca, caça. Pouco se plantava; era mais a mandioca e o arroz, que era muito admirado pelos mesmos. De resto, eles não se interessavam muito pelo plantio.
O Barbosa, vizinho dele, não queria saber de muito trabalho. Até pra caçar, ele armava uma rede no alto e ficava deitado com a espingarda, esperando o bicho vir até ele. Esse mesmo Barbosa, morou numa casa de pau-a-pique que depois de muitos anos começou a entortar pra cair, e esse caboclo só saiu de dentro depois que caiu uma parte. Aí com muito esforço ele construiu uma nova casa.
Mas o que mais chamou a atenção de Evaristo foi a esposa de um outro vizinho. Seu Ronildo tinha um sítio ali perto e um dia convidou Evaristo e sua família para um almoço de aniversário. Foi quando apresentou sua esposa. Dona Nene tinha 1,40 metros de altura, forte, cabeça chata mas de um jeito que não parecia humano. Um cranio espetacular. Tinha dentes pequenos, mas afiados, grandes gengivas, olhos pequenos, mãos tremulas e com pouca sensibilidade. Ela falava em grunhidos, quase não dizia palavras. Tinha reações bestiais. Nas palavras de Evaristo aquela senhora parecia homo sapiens, uma evolução anterior à nossa. Intermediário entre o macaco e o homem moderno. Os filhos de Evaristo tinham medo dela. No primeiro dia que a viram, choraram de medo.
E entre outras preciosidades Evaristo guardou aquilo na memória de bons tempos de sertão.