sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

O pão mofado

Outro dia desses Vangelder foi ao supermercado. Ele já se preparava psicologicamente, visto o estresse que é frequentar supermercados brasileiros: filas gigantescas, demora do funcionário que fica no caixa, que aliás é um coitado, pois ganha um salário de miséria pra ficar o dia inteiro cuidando da riqueza do patrão e ainda tem que aturá-lo com suas manias de grandeza.
Era verão e o sol brilhava com força no Rio Grande do Sul. Os pássaros cantavam antes da hora, e às oito da manhã o sol já estava rachando mamonas. As pessoas já acordavam suando em suas camas, uns chegavam a desconfiar de alguma goteira nova no quarto. Os mosquitos picavam à reveria, parecia um ataque soviet, as crianças choravam com aquela tortura da cadeia alimentar.
Vangelder acordou cedo, como de costume, tomou seu café com waffle, e lembrou de seus bons tempos de Amsterdam, quando tomava café na beira dos canais, sentindo a brisa leve afagar-lhe o rosto. Seguiu seu destino, caminhou pelas calçadas esburacadas como um malabarista, ouvindo buzinas e xingamentos de trabalhadores que dormem pouco pra dar conta do recado. Que chegam tarde em casa, emputecidos com seu chefe e trabalho mal remunerado, que mal da pra pagar as contas. Tem que lidar com um casamento falido e filhos mal-criados, pois ficam mais na rua e creche que com os pais. Enfim, depois de enfrentar a barbárie das ruas brasileiras, chega no supermercado pra fazer uma pequena compra.
Pessoas circulam e buscam o menor preço. O brasileiro tem esse péssimo costume: ele sempre busca o menor preço. A qualidade fica pra segundo plano. Talvez seja porque tudo por aqui seja de qualidade duvidosa, visto que a cultura da malandragem impera nesse país. Pra tudo se dá um jeitinho. O brasileiro desliza seboso pelas dificuldades e burocracias pra ganhar seu pão, ou mesmo pra enriquecer em terras tupiniquins. Talvez um dia ele perceba que é preciso abandonar esse "jeitinho" pra poder ter mais qualidade de vida, mais saúde, mais paz. Não podemos aceitar produtos sem qualidade nas prateleiras, muito menos em nossas casas, na mesa dos nossos filhos. Se boicotarmos os produtos sem qualidade, todos se esforçarão para produzir produtos com maior qualidade para poder vender.
No supermercado, nosso protagonista escolhe seu café, farinha, e dentre outras coisas o pão de forma. Satisfeito com suas escolhas ele segue para o caixa, enfrenta uma fila de 15 minutos e depois de pagar vai pra casa. Chegando em sua residência, Vangelder retira os produtos da sacola e um a um vai colocando na despensa. Com assombro, percebe que o pão que acabara de comprar esta mofado, e para sua surpresa, ainda está dentro do prazo de validade. A indignação toma conta de Vangelder, que mais do que depressa corre de volta ao supermercado.
Chegando ao destino, ele pede pela presença do gerente, ao qual explica a situação. O gerente pede a nota fiscal e com desconfiança autoriza o gringo a trocar seu produto. Trocado o pão, segue pra casa um pouco nervoso pela situação. Em seu lar, pra sua revolta, percebe que esse novo pão está mofado também. Pé na estrada novamente. 
Dessa vez ele não estava para brincadeiras. Foi decidido a fazer justiça com as próprias mãos. Afinal, estavam fazendo ele de palhaço, não era possível.
Aos brados ele entra no supermercado e para terror dos funcionários e do dono ele dirige-se à gôndola dos pães e repete incessantemente com sotaque estrangeiro: estragado, estragado, estragado! E enquanto berra, sai derrubando todos os pães no chão, e como não bastasse chacoalha a gôndola como a mulher gorila chacoalha sua jaula, no circo de horrores. Os clientes ficam horrorizados, alguns se deliciam em seu íntimo com a cena.
Ao final da história, depois de muito estresse, muita conversinha e muito escândalo, Vangelder sai com um pão novo em folha debaixo do braço, mais uma vez satisfeito e com a boa sensação de um velho e bom educador das ruas.