domingo, 13 de março de 2016

O Drama do Airbag e da Geladeira

Por um segundo vacilou.  O vendedor perguntou a ele novamente:
- O senhor prefere air bag duplo ou somente um air bag para o motorista?
Aroldo sabia dos perigos que rondam o trânsito, perigos de morte. Mas uma geladeira fixa no painel, ao seu lado, seria magnífico! Poderia carregar sempre uma água gelada e também umas cervejinhas.  Mas e a segurança de Vilma? Ela ficaria sem air bag? Ah! Quem cuida da gente é Deus.
Empresário já conhecido em São Paulo, Aroldo estava em seu terceiro casamento. Teve 3 filhos com cada mulher. Conseguia manter um nível mediano de vida para os filhos. Viveu momentos de riqueza, mas os golpes da vida às vezes são duros.  Então trocou de ramo algumas vezes, chegou a investir num cabaré no centro da cidade, que era movimentado como nenhum escritório do Brasil. Sorrisos masculinos para todos os lados. Bebida e cigarro à revelia. À Aroldo lhe apetecia o ambiente de orgia e boemia. Grande amante dos boleros e perfumes baratos.
Porém Aroldo não era burro, nem tão entregue às paixões. Sabia lidar com a situação, ou pelo menos pensava saber. Esforçava-se em ser bom pai para seus nove herdeiros, mas nem sempre alcançava o êxito.  Falhava na pensão, no tratamento dentário, às vezes no pagamento da mensalidade escolar.  E mais ainda na atenção e carinho, que lhe custavam tempo em sua agenda lotada.  Mas também, com o aumento do uísque e do imposto sobre o carro importado, não há mortal que aguente!
Como esposo, ele era interessado, cuidava delas, dava carinho, mas às vezes a malandragem falava mais alto, e a tentação de se entregar à poligamia lhe era impossível de resistir.  Aroldo era tarado, não tinha jeito. Ficava impressionado com as mulheres.  Lembrava daquela bunda o dia inteiro.
Veio da pobreza, trabalhou muito, teve que aprender a se virar no país da malandragem. Era culpado em parte, mas também era resultado do meio, assim como os políticos e policiais desse país.
Estudou pouco e acreditava que o mundo inteiro era assim, pessoas sem consciência de coletividade, que não conseguem lidar com o egoísmo tornando-se pior que bicho.  Vivendo a regra da selva, onde sobrevive o mais forte. As ruas foram sua escola. Até preso foi. Porque logo ele, deveria seguir as leis num país onde se fazem leis para não as seguir?
Mas Aroldo era destemido, não se dava por derrotado, tinha orgulho de se levantar sempre depois das quedas. Falia, mas voltava a se reerguer. Divorciava, mas se casava novamente. Não desistia do sonho. Era a figura do brasileiro forte, resistente, criativo.  Quiçá consigamos utilizar essa resistência contra o sistema que oprime os mais fracos.
Depois de sair da cadeia, na qual foi preso por não pagar pensão para ex-mulher e filhos, resolveu mudar de vida. Ia montar uma fábrica. E renovar sua imagem no mercado. Numa estratégia de marketing pessoal foi à concessionária comprar um carro novo.  Era uma camioneta bonita e imponente. Daria à ele uma imagem de homem de negócios que ele precisava. E sem pestanejar, com sorriso canalha, respondeu ao vendedor:

- Isso mesmo. Air Bag para o motorista e geladeira no painel.