Por um segundo vacilou.
O vendedor perguntou a ele novamente:
- O senhor prefere air bag duplo ou somente um air bag para
o motorista?
Aroldo sabia dos perigos que rondam o trânsito, perigos de
morte. Mas uma geladeira fixa no painel, ao seu lado, seria magnífico! Poderia
carregar sempre uma água gelada e também umas cervejinhas. Mas e a segurança de Vilma? Ela ficaria sem
air bag? Ah! Quem cuida da gente é Deus.
Empresário já conhecido em São Paulo, Aroldo estava em seu
terceiro casamento. Teve 3 filhos com cada mulher. Conseguia manter um nível mediano
de vida para os filhos. Viveu momentos de riqueza, mas os golpes da vida às
vezes são duros. Então trocou de ramo
algumas vezes, chegou a investir num cabaré no centro da cidade, que era
movimentado como nenhum escritório do Brasil. Sorrisos masculinos para todos os
lados. Bebida e cigarro à revelia. À Aroldo lhe apetecia o ambiente de orgia e
boemia. Grande amante dos boleros e perfumes baratos.
Porém Aroldo não era burro, nem tão entregue às paixões.
Sabia lidar com a situação, ou pelo menos pensava saber. Esforçava-se em ser
bom pai para seus nove herdeiros, mas nem sempre alcançava o êxito. Falhava na pensão, no tratamento dentário, às
vezes no pagamento da mensalidade escolar. E mais ainda na atenção e carinho, que lhe
custavam tempo em sua agenda lotada. Mas
também, com o aumento do uísque e do imposto sobre o carro importado, não há
mortal que aguente!
Como esposo, ele era interessado, cuidava delas, dava
carinho, mas às vezes a malandragem falava mais alto, e a tentação de se
entregar à poligamia lhe era impossível de resistir. Aroldo era tarado, não tinha jeito. Ficava
impressionado com as mulheres. Lembrava
daquela bunda o dia inteiro.
Veio da pobreza, trabalhou muito, teve que aprender a se
virar no país da malandragem. Era culpado em parte, mas também era resultado do
meio, assim como os políticos e policiais desse país.
Estudou pouco e acreditava que o mundo inteiro era assim,
pessoas sem consciência de coletividade, que não conseguem lidar com o egoísmo
tornando-se pior que bicho. Vivendo a
regra da selva, onde sobrevive o mais forte. As ruas foram sua escola. Até
preso foi. Porque logo ele, deveria seguir as leis num país onde se fazem leis
para não as seguir?
Mas Aroldo era destemido, não se dava por derrotado, tinha orgulho
de se levantar sempre depois das quedas. Falia, mas voltava a se reerguer.
Divorciava, mas se casava novamente. Não desistia do sonho. Era a figura do
brasileiro forte, resistente, criativo. Quiçá consigamos utilizar essa resistência contra
o sistema que oprime os mais fracos.
Depois de sair da cadeia, na qual foi preso por não pagar
pensão para ex-mulher e filhos, resolveu mudar de vida. Ia montar uma fábrica.
E renovar sua imagem no mercado. Numa estratégia de marketing pessoal foi à concessionária
comprar um carro novo. Era uma camioneta
bonita e imponente. Daria à ele uma imagem de homem de negócios que ele
precisava. E sem pestanejar, com sorriso canalha, respondeu ao vendedor:
- Isso mesmo. Air Bag para o motorista e geladeira no
painel.