sexta-feira, 30 de maio de 2014

A Moagem


Era um dia ensolarado, daqueles dias bem bonitos, com o céu azul e poucas nuvens brancas e bem definidas. Tanto João como Antônio estavam bem animados com relação a festinha que eles queriam fazer naquela noite. Convidaram os amigos mais íntimos, o pessoal da faculdade, outros do partido político e queriam mesmo que não fossem tantas pessoas. Festa íntima era bem mais bacana. Seria apenas uma moagem, umas cervejas com um sonzinho que iria variar entre violão e aparelho de som. A casa que moravam de aluguel não era muito grande, mas era aconchegante.

Antônio estava empolgado e chegou a confessar à João que estava com sede, queria beber mesmo, encher a cara. Ele não era de beber com frequência, mas quando bebia queria ficar doido, achava besteira beber e não ficar bêbado. Afinal já que álcool faz mal, tem que valer a pena a bebedeira.

A hora chegou, os convidados chegaram aos poucos, todos alegres brindavam à amizade, ao amor e aos sonhos da juventude. Conversaram sobre política, comunismo, socialismo, preservação do meio ambiente. Depois de algumas garrafas de cerveja já se ouviam oratórias acaloradas, de poesias a reflexões filosóficas entre uma piada e outra e muitas risadas. Haviam homens e mulheres em um número equilibrado entre os sexos. Alguns não se conheciam, pois haviam amigos de João e de Antônio.

Antônio tinha um amigo que sempre falava pra ele sobre um método de conquista, que seria a última cartada do conquistador antes da desistência. Esse método, que ele chamava de método garli, consistia em mostrar o pênis para a mulher na esperança que ela pegasse. Esse amigo garantia que funcionava. E Antônio ria, sem dar confiança naquela conversa que lhe parecia bem fiada.

Depois de todos alcoolizados, Antônio já estava soltinho, conversava de tudo sempre com um baita sorriso na cara. E ele iniciou uma paquera com uma convidada que ele não conhecia. No alto da madrugada, já cansado de dar investidas em vão, já trôpego pelo álcool, ele não pensou duas vezes, na presença de João e uma garota, ele disse a frase de ordem “basta!” e abaixou as calças, convicto e seguro que a garota adoraria o ato. Os dois amigos vendo aquela situação do rapaz sem calças com seu membro ereto, se mandaram. A nova barbárie entrava em funcionamento. As profecias do sociólogo Adorno se tornavam realidade.

Agora você se pergunta: e a moça? Bem, a vítima para o espanto de todos gostou da atitude anárquica de Antônio, achou corajosa sua posição, admirou sua convicção e finalmente pegou lá. Foram para o quarto onde foram vistos por alguns convidados homens e mulheres desavisados que procuravam não sei o que. Como se não bastasse a ousadia, Antônio foi na cozinha buscar mais um trago sem calças, militando o nudismo como forma de protesto. Era um excesso de desapego, uma liberdade sem pudores. João tentou conscientiza-lo, tentando trazê-lo de volta à realidade de nossa sociedade pudica. Ele voltou para o quarto.

Na manhã seguinte acordou na cama com a moça, assustado pegou suas coisas e foi embora. Não lembrava de nada e só ficou sabendo o que ocorreu no final do dia, quando João lhe contou. Sim, ele havia ultrapassado os limites da libertinagem.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Roberto: o educador


Roberto era um homem de meia idade, que vivia no interior de São Paulo. Gostava daquela vida pacata, e era um grande admirador da boa conduta. Ele ficava vermelho de raiva perante injustiças e desrespeitos, mesmo sendo alheio.

Seu casamento era harmonioso, sua esposa o admirava muito, o respeitava muito, e o amava de corpo e alma. Ela nunca se esquecia do primeiro encontro entre os dois, quando eles se conheceram. Já haviam passado dez anos, mas para ela era como se tivesse sido horas atrás tamanha a paixão que nutria por aquele homem. O casal ainda não possuía filhos. Camila, mulher de Roberto, não podia ter filhos.

Em sua farmácia, Roberto se dedicava além do necessário por manter tudo transparente com seus clientes, fornecedores e funcionários. Tinha terror à desonestidade, e só de imaginar pessoas querendo lhe passar a perna, já tinha vontade de matar. Afinal, ele que era um cara honesto não merecia nem de longe ser sacaneado.

A sua contabilidade era metódica e exaustiva, não deixava passar nem uma vírgula, nem um centavo se quer. Fazia questão de pagar os impostos, todos, um à um, mesmo que as vezes lhe parecesse injusto que o governo ganhasse mais que ele, que estava trabalhando ali. Mas Deus que está no céu haveria de fazer justiça com os poderosos com os quais não podia medir força, mas em seu íntimo Roberto pensava: “o que está a meu alcance, pode deixar que eu resolvo!”

Conversava sobre um golpe que tinha tomado no comércio, com um amigo enquanto almoçavam juntos no restaurante:

- Juvenal, eu não tenho paciência com sem-vergonha. Tenho muita vontade de dar uma lição nesse pessoal que não respeita as pessoas, nesse povo que não tem educação, nem senso de coletividade.

- Calma Roberto, você é um cara muito nervoso, tem que se acalmar, você não vai conseguir pôr ordem sozinho no mundo. Só Deus pra fazer justiça na Terra.

- Ah mas comigo não é bem assim, vagabundo comigo não se cria! Logo vocês vão ter uma surpresa.

Juvenal constrangido com a alteração do amigo em público, preferiu não falar mais nada e só desejava não estar perto na hora em que a bomba explodisse. E um dia explodiu.

Em uma segunda-feira quando voltava pra casa depois de um expediente cansativo, parou seu carro no sinal de trânsito. Atrás dele vinha um carro rebaixado e com som alto, tocando músicas eletrônicas. E o motorista acelerava e dava sinais de luz alta pra ele. Roberto primeiramente pensou que aquilo poderia ter sido um engano do motorista, mas como voltou a acontecer ele não teve mais dúvidas, percebeu que se tratava de um canalha, daqueles sacanas que são pragas para a sociedade.

Roberto fez que não era com ele e seguiu caminho, depois que o sinal abriu. E como era bairro residencial, manteve a velocidade baixa, situação que o que cidadão que estava no carro detrás não queria se enquadrar, nem respeitar. O animal continuava dando sinal e até buzinando. Roberto não aguentou.

Num surto de raiva ele sai do carro e parte pra cima do motorista que vinha atrás. O rapazola que tinha seus 25 anos, quis bater boca, chamou Roberto de “coroa lerdo”, no que Roberto arranca sua própria cinta de couro e começa a dar no infeliz. Foi uma surra daquelas de início de adolescência, daquelas que já não se vê mais em nossos dias, e que alguns antigos sentem não existirem mais.

O jovem rebelde chorou como criança, e enquanto Roberto assumia o papel que os pais dele não tinham realizado com eficiência, dizia em bom som frases de ordem como: “nunca mais vai desrespeitar os outros, seu sem-vergonha”, “apanha porque quer, se se comportasse não precisaria passar por isso” e “isso é pra aprender!”

As pessoas na rua não sabiam se aplaudiam ou se corriam de medo. Umas admiravam, outras se horrorizavam. E assim conheceram o novo herói brasileiro: Roberto, o educador.