No interior do Rio Grande do Sul fazia frio naquela manhã.
Cinza. Poucos sorrisos circulavam pela cidade. E Vangelder precisava ir ao
supermercado. Haveria naquela manhã, uma festividade em sua casa, com mais 2
casais de amigos. Pessoal gente
boa, um era colega seu de escritório, o
Darci, pessoa interessante, casado havia
30 anos, gostava de observar pássaros
raros e dormia todo dia às oito da noite. Era tarado, e não conseguia
disfarçar. Ele até que tentava, mas sua esposa sempre percebia sua euforia.
Pobre Darci. Se olhasse muito pra outra mulher apanhava, e se não olhava,
apanhava também.
Reuniu forças e foi à luta. Foi buscar seu alimento. Na
verdade não era alimento algum, era 2 litros de coca-cola. Sua esposa fazia
questão. A esposa de Vangelder , Marta era uma pessoa muito curiosa também. Era
muito verdadeira, não conseguia mentir nem conter suas emoções. Chorava e dizia
palavras das quais se arrependia. E a palavra dita é como a flecha lançada.
Nessas horas Vangelder queria se enfiar
dentro de um buraco. Marta era apaixonada por ele. Pra ela era como se o marido
ainda tivesse seus 40 anos, forte, destemido, dono de si.
No supermercado, que na verdade mais parecia um mercado
mesmo, ele entrou ávido para buscar logo aquelas coca colas e sair ligeiro. Era
avesso à filas, conglomerados de gente e outras situações que são facilmente
evitáveis, mas a boa vontade muitas vezes dá lugar ao egoísmo. E naquele dia
havia um único caixa funcionando e uma fila enorme. Tristeza.
Com aqueles dois cascos cheios, um em cada mão, Vangelder
entrou na fila. Mas depois de 10 minutos ele não mais aguentou a demora e disse
com seu sotaque carregado de Holandês: essas cocas estão ficando pesadas! Disse
em alto e bom som para todos ouvirem, sem um pingo de vergonha. Muitos olharam
assustados, a boa e velha hipocrisia brasileira estava representada.
Mais 5 minutos se passaram e a fila não parecia andar. A
caixa parecia trabalhar mais lento ainda que de costume. Vangelder soltou uma das garrafas da mão, espatifando-a
no chão. Todos olharam dessa vez. E ele avisou: Eu disse que estava ficando
pesado, essa aqui está pesando!
A caixa correu o serviço até chegar em Vangelder, que se
recusou veemente à pagar aquela coca espatifada. Ameaçou processar e tudo.
Estava indignado, aquele era seu protesto contra o sistema. O gerente liberou
Vangelder, que saiu mais uma vez satisfeito de ser um professor das ruas.