sexta-feira, 21 de abril de 2017

Zé da Pinga

Em sua mocidade, Marcelo aproveitou o quanto pode. Experimentou muitas substâncias psicoativas e o álcool não ficou de fora. Aprendeu a beber depois dos vinte anos, e demorou ter maturidade para lidar com a bebida. Até os 30 anos de idade houve muitas aventuras alcoólicas, divertidas e não tanto.
Algumas vezes Marcelo voltava para a república de estudantes onde morava, totalmente embriagado, falava numa linguagem estranha, que não podia-se entender. Eram grunhidos, gemidos, desistências de tentativas de diálogo. Teve ocasiões que sequer conseguia enfiar a chave na fechadura e abrir a porta de seu lar. Dormiria na garagem mesmo, não fosse a ajuda de seus amigos que percebiam entre gracejos a situação caótica.
Dentre outras estripulias falava o que não devia, se machucava, caía, cantava alto na madrugada acordando os colegas de república. Gostava de se passar. Porém nunca perdeu a vergonha na cara. Sabia que era uma fase e que ia sair dessa, iria amadurecer. Mas ia se despedir dos vinte e poucos anos com categoria.
Em uma festa depois de tomar umas doze latinhas, comprou uma garrafa de cachaça e foi tomando de gole. Fez fiasco, caiu no mato, se sujou de barro. Depois não se lembrava de nada. Todavia revelou seu segredo. Ao passar de uma quantidade de bebida, ele se transformava, era como se ficasse possuído. E a entidade tinha até um nome: Zé da Pinga.
Era divertido, malandro, piadista. Queria conversar com todos, tirar onda. Sempre estava gargalhando, poucas vezes ficava na bad. Era um deus malandro como os exus africanos, Lock: o deus nórdico; ou o coyote, entre o índios norte-americanos. Uma mistura de sabedoria e gozação. Falava oitenta por cento de verdade e vinte por cento de mentira para depois rir do resultado.

Depois dos trinta anos Marcelo mudou, amadureceu, bebe, mais bebe pouco. Porém até hoje sabe que se brincar, se deixar o álcool entrar sem controle, o Zé da Pinga incorpora. 

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Bruno e a Moída

Laura era uma mulher independente, trabalhava em um salão de beleza e corria atrás do seu pão com vontade e coragem. Tinha separado do antigo marido havia poucos anos e sentia-se leve, solta, desobrigada de qualquer coisa. Cansou das manias e da vida boêmia do ex. Vinte e cinco anos casada aturando os mesmos defeitos não é pra qualquer um. Os defeitos no início parecem inofensivos, são quase imperceptíveis, porém depois vão se agravando, a paciência vai terminando, a raiva aumentando, até que se perde a paz. Coisa de humano.
Depois dos longos anos de casada, se transformou em conservadora. As pessoas se acostumam com coisas ruins também. E a pressão social, as companhias acabam influenciando de forma assustadora. Mesmo sendo de essência rebelde, passou a aceitar posturas e comportamentos repressores e opressores. Talvez ela nunca tenha pensado sobre isso, ou quem sabe travou muitas guerras consigo mesma e cansada, resolveu adiar a mudança que, diga-se de passagem, é muito dolorida.
 Gostava de viajar, conhecer outras culturas, ver se o Brasil era ruim mesmo como as pessoas diziam.  Viajou para alguns lugares da América do Sul e se encantou com a cultura latina americana. As músicas, a culinária, o povo. O sangue latino ferve, as pessoas interagem, são calorosas, amorosas, nervosas.  Aquela beleza lhe brilhava os olhos. Nunca se cansaria de peregrinar por esse continente abençoado.
E quando foi para o Peru, conheceu dentre outras pessoas o surinamês e também mochileiro Bruno Amoida.  Era negro, alto e professor de educação física em seu país. Gostava de caminhar longos trechos apreciando a natureza, acompanhado de seu cão. Sonhava em dar a volta ao mundo.  A amizade ficou colorida e foi na intimidade que Laura descobriu o segredo de Bruno.
Primeiro ela achou que era uma forma de conquista, para agradar ela. Depois desconfiou que era algo da cultura dele.  Achava diferente. Bruno era muito interessado na sexologia. Tinha coleções de livros sobre o assunto, utilizava anel peniano e outros acessórios sexuais. Laura ficou espantada com tudo aquilo, mas era preciso viver, se libertar, experimentar novas coisas, se permitir. E foi nesse terreno fértil que Bruno plantou sua mandioca.
No início era muito bacana, eles passavam o final de semana juntos, se “internavam” em casa onde namoravam sem pressa. Até que um dia depois de quatro horas tomando madeirada, já com os corpos encharcados de suor, cama molhada, a casa cheirando sexo, dor de cabeça ela se cansou e dando um basta, levantou, colocou suas roupas e pediu para que ele se retirasse que ela já não agüentava mais, estava assada, debilitada.
Bruno acatou ao pedido, mesmo sem entender direito o que se passava. Ela disse que não queria mais aquela vida, que os amigos já até zombavam dela. Estava cansada. E assim terminou o par romântico Bruno e a Moída.