Em sua mocidade, Marcelo aproveitou o quanto pode.
Experimentou muitas substâncias psicoativas e o álcool não ficou de fora.
Aprendeu a beber depois dos vinte anos, e demorou ter maturidade para lidar com
a bebida. Até os 30 anos de idade houve muitas aventuras alcoólicas, divertidas
e não tanto.
Algumas vezes Marcelo voltava para a república de estudantes
onde morava, totalmente embriagado, falava numa linguagem estranha, que não
podia-se entender. Eram grunhidos, gemidos, desistências de tentativas de
diálogo. Teve ocasiões que sequer conseguia enfiar a chave na fechadura e abrir
a porta de seu lar. Dormiria na garagem mesmo, não fosse a ajuda de seus amigos
que percebiam entre gracejos a situação caótica.
Dentre outras estripulias falava o que não devia, se
machucava, caía, cantava alto na madrugada acordando os colegas de república.
Gostava de se passar. Porém nunca perdeu a vergonha na cara. Sabia que era uma
fase e que ia sair dessa, iria amadurecer. Mas ia se despedir dos vinte e
poucos anos com categoria.
Em uma festa depois de tomar umas doze latinhas, comprou uma
garrafa de cachaça e foi tomando de gole. Fez fiasco, caiu no mato, se sujou de
barro. Depois não se lembrava de nada. Todavia revelou seu segredo. Ao passar
de uma quantidade de bebida, ele se transformava, era como se ficasse possuído.
E a entidade tinha até um nome: Zé da Pinga.
Era divertido, malandro, piadista. Queria conversar com
todos, tirar onda. Sempre estava gargalhando, poucas vezes ficava na bad. Era
um deus malandro como os exus africanos, Lock: o deus nórdico; ou o coyote,
entre o índios norte-americanos. Uma mistura de sabedoria e gozação. Falava
oitenta por cento de verdade e vinte por cento de mentira para depois rir do
resultado.
Depois dos trinta anos Marcelo mudou, amadureceu, bebe, mais
bebe pouco. Porém até hoje sabe que se brincar, se deixar o álcool entrar sem
controle, o Zé da Pinga incorpora.