quinta-feira, 18 de agosto de 2016

O maconheiro e as capivaras

O sol escaldante do centro-oeste castigava Marcelo, estava aliviado que aquela tarde ele não precisaria trabalhar. Aquela horrível rotina de oito, às vezes nove horas de trabalho por dia não era compatível com uma vida tranquila e pacífica. Como podia alguém ter tempo pra trabalhar, se exercitar, comer bem e sem pressa, transar, dormir,  conversar com amigos e companheira, ler e resolver coisas pessoais nessa sociedade capitalista, onde o tempo é dinheiro e a grana está acima de tudo?
Trabalhava como auxiliar de escritório, fizera faculdade por 4 anos para depois ganhar uma miséria, que nunca o deixaria subir de classe social. Estava fadado a ser pobre até a morte. Às vezes até pensava em ser traficante de drogas ou contrabandista de alguma coisa, cogitou ser ladrão de banco também; afinal, Os bancos são grandes colaboradores desse sistema explorador onde apenas 1% da população mundial detém quase 90% da riqueza do planeta. Então se dane os bancos!
O complicado é a luta interna dele com suas ideologias. Ele queria ser honesto, decente, não dever nada pra ninguém, ter a ficha limpa. Então preferia ser pobre, mas honesto, consciência leve. E assim tentava ser feliz com o que podia. Valorizava suas amizades, sua companheira, as experiências simples, a natureza. Final do dia era a hora do baseado. Só alegria. Era um verdadeiro remédio, que acalmava seu corpo e mente. Às vezes ouvia uma boa música, às vezes conversava com alguém. Era sempre uma delícia.
Apesar de polêmica, Marcelo tinha certeza que a planta natural não tinha como lhe prejudicar. Usava com parcimônia, pois tinha a vida muito agitada e não queria misturar as coisas. Ele tinha objetivos e não queria fraquejar na missão. Mas final de semana estava liberado. A fumaceira subia. Bob Marley no som e o sentimento de que tudo esta bem.
E naquela tarde, num desses momentos de luxo, que Marcelo conseguia arranjar na sua rotina, estava ele perto de um lago urbano, mas que possuíam várias capivaras como moradoras. Era um parque arborizado e com muita sombra, para que as pessoas pudessem desfrutar. E numa dessas sombras, Marcelo sentou. Começou a sentir a brisa e a energia positiva de paz que reina na natureza. Que privilégio seria poder desfrutar disso diariamente, realmente em meio à natureza!

Relaxou, e quando já entrava quase em estado de meditação, apareceram umas três capivaras que vinham em sua direção. Ele ficou agradecido por aquele contato com a natureza divina. Logo após apareceram mais três e ele resolveu observar aquelas criaturas. Quando ele meditava sobre o equilíbrio que existe entre a flora e a fauna, uma confusão iniciou-se entre as capivaras. Era uma treta. Coisa horrível, uma querendo dar coices na outra. Não se sabia se era por ciúme, por honra, o fato é que a confusão ocupou grande espaço  e foi em direção ao Marcelo, que teve que sair às pressas da confortável sombra. Baseado no chão, medo e adrenalina nas veias. Parecia confusão de bar. Divina paz natural!

terça-feira, 9 de agosto de 2016

O orgasmo na bicicleta

O desejo pela movimentação, pela atividade física é algo instintivo, um sentimento que nasce dentro de nós como um comichão, que se não for saciado vira tédio, desgosto, depressão.
Carla não podia perder uma tarde ou uma manhã sem ir pedalar, gastar energia. Ela adorava curtir a brisa do dia, sentir o cheiro do café da tarde na casa das pessoas,  o cheiro das flores e plantas no caminho. Uma vez ou outra parar em frente ao mar e poder contemplá-lo. Era sempre uma alegria cada passeio diário.
Carla era tímida, falava pouco, mas possuía um sorriso meigo que cativava a todos. Tinha 25 anos mas parecia ter 17. Era jovial em todos os sentidos. Era destemida frente às aventuras, gostava da natureza e nunca se sentia em perigo quando estava dentro da floresta. Tocava serpentes e aranhas peçonhentas sem medo da morte.
No cotidiano, Carla trabalhava em uma loja de produtos naturais, era discreta ao se vestir e se portar. Adorava ler, pesquisar e trocar idéias cabeça com amigos. Ela namorava um rapaz interessante, filósofo e sociólogo, que vivia o mundo das idéias e também a vida real. Não era um galã de cinema, mas sua compania fazia ela se sentir tranqüila, em paz, amada e segura. Ela não entendia como algumas amigas suas conseguiam namorar homens bonitos, mas vazios por dentro.
Um belo sábado ensolarado e quente, Carlinha saiu pra dar uma volta de bicicleta, como mandava o costume. Muitas vezes ela já tinha sentido uma coceirinha na linguetinha enquanto andava com sua amada bike, mas naquele dia parecia que a sua bicicleta queria deixá-la louca. Algumas trepidações a fizeram suar e foi aí que ela decidiu ir para casa. Era um caminho de quinze minutos, e ela já achava que não iria agüentar. Crianças por toda parte, inocentes nem precebiam o que ocurria com ela. Senhoras idosas aproveitavam a brisa no parque arborizado. E a nossa protagonista daquele jeito. Andou mais um pouco e não resistiu. Gozou, de maneira natural, e era como se voasse. Uma loucura.

Depois houve uma reflexão: havia ela traído seu companheiro com a sua bicicleta? Era isso possível? 

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Vendendo livro para o doidão

Nestor e Alexandre eram amigos, estudavam em um internato evangélico onde cursavam o ensino médio. Eram adolescentes dos seus 16 anos, gostavam de garotas, de esporte, de dar risadas, como a maioria dos adolescentes. Mas naquele ambiente religioso onde moravam e estudavam os dois garotos, não havia espaço para um pensamento livre e de vanguarda. Era costume participar, obrigatoriamente, de dois ou até três cultos diários, com pastores palestrando, músicas da igreja, toda uma lavagem cerebral lastimável. Era ensinado que a masturbação é pecado, e não era permitido contato físico com o namorado. Tinha alguns que até tinham ataques de nervos, tamanha cobrança social.
Porém os protagonistas dessa história entraram na onda evangélica, e decidindo serem fiéis, abandonaram todas as atividades e vícios que a igreja proibia. Nestor queria até ser pastor, já que o final dos tempos estava próximo, e era preciso pregar o evangelho a todos e todas que ainda não tinham conhecimento dele. Tamanha era sua fé, que ele gostaria de entregar sua profissão e sua vida em favor do resgate das almas. Levar a luz da verdade, da bíblia e da igreja.
Todos os anos, tanto nas férias de inverno quanto nas férias de verão, era comum a prática de vender livros de porta em porta, por estudantes que precisavam pagar seus estudos mas não possuíam dinheiro para tal. Os coitados vendiam livros de saúde e de igreja , e pediam valores bem acima da média por suas publicações. Era uma forma de pedir dinheiro e onde o doador  ganhava um livro como gratidão. Para Nestor aquele era o momento de começar a pregar o evangelho, sem distinção de raça, de classe social, de religião. Ele iria pessoalmente levar o chamado divino para cada alma naquela pequena cidade do interior do Paraná.
Alexandre era diferente de Nestor, já era macaco velho, quase perdeu a virgindade aos 13 anos, era malandro, mas também estava levando a sério a religião, namorava uma garota religiosa, que nem deixava ele dar uma encoxadinha, decepção para nosso amigo. Além de nerd, era uma menina conservadora e que nunca deixaria a igreja, por homem nenhum. Alexandre, no auge de sua comungação, desejou ir vender livros em suas férias e ajudar um pouco a obra do senhor. Seria legal essa experiência junto ao seu amigo.
Acabaram-se as aulas e eles foram para a tal cidade do interior paranaense. Gostaram da cidade. Alugaram uma casa por um mês em dez rapazes. Apenas um banheiro. De manhã tinha que sair de casa e achar o primeiro banheiro no comércio local pra dar aquela barrigada. Triste. Mas não se desanimavam, cantavam bem alegres os hinos que os motivavam na sua fé.
Como Nestor já havia feito aquele trabalho, resolveu que iria ensinar como fazer a apresentação dos livros para que Alexandre pudesse aprender e na próxima casa, pudesse realizar a venda. Com a aprovação de Alexandre, ambos foram em direção de uma casa que parecia de classe média. Bateram palmas e esperaram nervosos. Apareceu um homem de cabelo comprido, colete de couro, tatuagem. Tinha uma moto na garagem. Apresentaram-se e pediram um minuto daquele bom homem para apresentar o projeto de vida e saúde que eles traziam.
Entraram na casa, quadros de bandas de rock na parede, um leve cheiro de incenso no ar. Sentaram-se e Nestor começou com a ladainha. Era uma apresentação modelo que os mais velhos no ofício passavam para os novatos. E assim passaram-se cinco minutos. No final, Nestor oferece o primeiro livro, de R$200,00. O homem assustou e disse que não havia condições de ajudar. O rapaz apresentou o segundo livro de R$100,00. Aquele pobre ser começou a transpirar e com ar ofegante começou a repetir: “eu não tenho condições, eu não tenho condições!”. Ele pulou para o terceiro livro de R$50,00 e o homem bufava. Apresentou as revistas de R$20,00 e o homem faltou infartar. Eles não sabiam se aquele homem iria ter um treco, se iria bater neles ou se iria ficar possuído. Como a coisa estava estranha e Nestor não queria deixar uma má impressão naquele estranho ou em Alexandre, o fato foi que Nestor chegou perto do homem e disse que ia fazer uma oração para abençoa-lo. Orou em voz alta enquanto o homem dizia que não tinha condições, com as mãos para o alto quase que dizendo: “sai desse corpo satanás!” E como não saiu, ele e Alexandre se despediram às pressas e correram rumo à rua.

Assim foi a primeira experiência de Alexandre, na obra de deus. Aqueles rapazes, mais tarde saíram da igreja, se tornaram vagabundos, e até hoje se riem desse ocorrido.