Nestor e Alexandre eram amigos, estudavam em um internato
evangélico onde cursavam o ensino médio. Eram adolescentes dos seus 16 anos,
gostavam de garotas, de esporte, de dar risadas, como a maioria dos adolescentes.
Mas naquele ambiente religioso onde moravam e estudavam os dois garotos, não
havia espaço para um pensamento livre e de vanguarda. Era costume participar,
obrigatoriamente, de dois ou até três cultos diários, com pastores palestrando,
músicas da igreja, toda uma lavagem cerebral lastimável. Era ensinado que a masturbação
é pecado, e não era permitido contato físico com o namorado. Tinha alguns que
até tinham ataques de nervos, tamanha cobrança social.
Porém os protagonistas dessa história entraram na onda
evangélica, e decidindo serem fiéis, abandonaram todas as atividades e vícios
que a igreja proibia. Nestor queria até ser pastor, já que o final dos tempos
estava próximo, e era preciso pregar o evangelho a todos e todas que ainda não
tinham conhecimento dele. Tamanha era sua fé, que ele gostaria de entregar sua profissão
e sua vida em favor do resgate das almas. Levar a luz da verdade, da bíblia e
da igreja.
Todos os anos, tanto nas férias de inverno quanto nas férias
de verão, era comum a prática de vender livros de porta em porta, por
estudantes que precisavam pagar seus estudos mas não possuíam dinheiro para
tal. Os coitados vendiam livros de saúde e de igreja , e pediam valores bem
acima da média por suas publicações. Era uma forma de pedir dinheiro e onde o
doador ganhava um livro como gratidão.
Para Nestor aquele era o momento de começar a pregar o evangelho, sem distinção
de raça, de classe social, de religião. Ele iria pessoalmente levar o chamado
divino para cada alma naquela pequena cidade do interior do Paraná.
Alexandre era diferente de Nestor, já era macaco velho,
quase perdeu a virgindade aos 13 anos, era malandro, mas também estava levando
a sério a religião, namorava uma garota religiosa, que nem deixava ele dar uma
encoxadinha, decepção para nosso amigo. Além de nerd, era uma menina
conservadora e que nunca deixaria a igreja, por homem nenhum. Alexandre, no
auge de sua comungação, desejou ir vender livros em suas férias e ajudar um
pouco a obra do senhor. Seria legal essa experiência junto ao seu amigo.
Acabaram-se as aulas e eles foram para a tal cidade do interior
paranaense. Gostaram da cidade. Alugaram uma casa por um mês em dez rapazes.
Apenas um banheiro. De manhã tinha que sair de casa e achar o primeiro banheiro
no comércio local pra dar aquela barrigada. Triste. Mas não se desanimavam,
cantavam bem alegres os hinos que os motivavam na sua fé.
Como Nestor já havia feito aquele trabalho, resolveu que
iria ensinar como fazer a apresentação dos livros para que Alexandre pudesse
aprender e na próxima casa, pudesse realizar a venda. Com a aprovação de
Alexandre, ambos foram em direção de uma casa que parecia de classe média.
Bateram palmas e esperaram nervosos. Apareceu um homem de cabelo comprido,
colete de couro, tatuagem. Tinha uma moto na garagem. Apresentaram-se e pediram
um minuto daquele bom homem para apresentar o projeto de vida e saúde que eles
traziam.
Entraram na casa, quadros de bandas de rock na parede, um
leve cheiro de incenso no ar. Sentaram-se e Nestor começou com a ladainha. Era
uma apresentação modelo que os mais velhos no ofício passavam para os novatos.
E assim passaram-se cinco minutos. No final, Nestor oferece o primeiro livro,
de R$200,00. O homem assustou e disse que não havia condições de ajudar. O
rapaz apresentou o segundo livro de R$100,00. Aquele pobre ser começou a transpirar
e com ar ofegante começou a repetir: “eu não tenho condições, eu não tenho
condições!”. Ele pulou para o terceiro livro de R$50,00 e o homem bufava.
Apresentou as revistas de R$20,00 e o homem faltou infartar. Eles não sabiam se
aquele homem iria ter um treco, se iria bater neles ou se iria ficar possuído.
Como a coisa estava estranha e Nestor não queria deixar uma má impressão naquele
estranho ou em Alexandre, o fato foi que Nestor chegou perto do homem e disse
que ia fazer uma oração para abençoa-lo. Orou em voz alta enquanto o homem
dizia que não tinha condições, com as mãos para o alto quase que dizendo: “sai
desse corpo satanás!” E como não saiu, ele e Alexandre se despediram às pressas
e correram rumo à rua.
Assim foi a primeira experiência de Alexandre, na obra de
deus. Aqueles rapazes, mais tarde saíram da igreja, se tornaram vagabundos, e
até hoje se riem desse ocorrido.
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