segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Vendendo livro para o doidão

Nestor e Alexandre eram amigos, estudavam em um internato evangélico onde cursavam o ensino médio. Eram adolescentes dos seus 16 anos, gostavam de garotas, de esporte, de dar risadas, como a maioria dos adolescentes. Mas naquele ambiente religioso onde moravam e estudavam os dois garotos, não havia espaço para um pensamento livre e de vanguarda. Era costume participar, obrigatoriamente, de dois ou até três cultos diários, com pastores palestrando, músicas da igreja, toda uma lavagem cerebral lastimável. Era ensinado que a masturbação é pecado, e não era permitido contato físico com o namorado. Tinha alguns que até tinham ataques de nervos, tamanha cobrança social.
Porém os protagonistas dessa história entraram na onda evangélica, e decidindo serem fiéis, abandonaram todas as atividades e vícios que a igreja proibia. Nestor queria até ser pastor, já que o final dos tempos estava próximo, e era preciso pregar o evangelho a todos e todas que ainda não tinham conhecimento dele. Tamanha era sua fé, que ele gostaria de entregar sua profissão e sua vida em favor do resgate das almas. Levar a luz da verdade, da bíblia e da igreja.
Todos os anos, tanto nas férias de inverno quanto nas férias de verão, era comum a prática de vender livros de porta em porta, por estudantes que precisavam pagar seus estudos mas não possuíam dinheiro para tal. Os coitados vendiam livros de saúde e de igreja , e pediam valores bem acima da média por suas publicações. Era uma forma de pedir dinheiro e onde o doador  ganhava um livro como gratidão. Para Nestor aquele era o momento de começar a pregar o evangelho, sem distinção de raça, de classe social, de religião. Ele iria pessoalmente levar o chamado divino para cada alma naquela pequena cidade do interior do Paraná.
Alexandre era diferente de Nestor, já era macaco velho, quase perdeu a virgindade aos 13 anos, era malandro, mas também estava levando a sério a religião, namorava uma garota religiosa, que nem deixava ele dar uma encoxadinha, decepção para nosso amigo. Além de nerd, era uma menina conservadora e que nunca deixaria a igreja, por homem nenhum. Alexandre, no auge de sua comungação, desejou ir vender livros em suas férias e ajudar um pouco a obra do senhor. Seria legal essa experiência junto ao seu amigo.
Acabaram-se as aulas e eles foram para a tal cidade do interior paranaense. Gostaram da cidade. Alugaram uma casa por um mês em dez rapazes. Apenas um banheiro. De manhã tinha que sair de casa e achar o primeiro banheiro no comércio local pra dar aquela barrigada. Triste. Mas não se desanimavam, cantavam bem alegres os hinos que os motivavam na sua fé.
Como Nestor já havia feito aquele trabalho, resolveu que iria ensinar como fazer a apresentação dos livros para que Alexandre pudesse aprender e na próxima casa, pudesse realizar a venda. Com a aprovação de Alexandre, ambos foram em direção de uma casa que parecia de classe média. Bateram palmas e esperaram nervosos. Apareceu um homem de cabelo comprido, colete de couro, tatuagem. Tinha uma moto na garagem. Apresentaram-se e pediram um minuto daquele bom homem para apresentar o projeto de vida e saúde que eles traziam.
Entraram na casa, quadros de bandas de rock na parede, um leve cheiro de incenso no ar. Sentaram-se e Nestor começou com a ladainha. Era uma apresentação modelo que os mais velhos no ofício passavam para os novatos. E assim passaram-se cinco minutos. No final, Nestor oferece o primeiro livro, de R$200,00. O homem assustou e disse que não havia condições de ajudar. O rapaz apresentou o segundo livro de R$100,00. Aquele pobre ser começou a transpirar e com ar ofegante começou a repetir: “eu não tenho condições, eu não tenho condições!”. Ele pulou para o terceiro livro de R$50,00 e o homem bufava. Apresentou as revistas de R$20,00 e o homem faltou infartar. Eles não sabiam se aquele homem iria ter um treco, se iria bater neles ou se iria ficar possuído. Como a coisa estava estranha e Nestor não queria deixar uma má impressão naquele estranho ou em Alexandre, o fato foi que Nestor chegou perto do homem e disse que ia fazer uma oração para abençoa-lo. Orou em voz alta enquanto o homem dizia que não tinha condições, com as mãos para o alto quase que dizendo: “sai desse corpo satanás!” E como não saiu, ele e Alexandre se despediram às pressas e correram rumo à rua.

Assim foi a primeira experiência de Alexandre, na obra de deus. Aqueles rapazes, mais tarde saíram da igreja, se tornaram vagabundos, e até hoje se riem desse ocorrido.

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