quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Casa Grande e Senzala – resenha crítica e fichamento

Gilberto Freyre foi um grande sociólogo brasileiro, foi professor universitário e acima de tudo um grande pesquisador da cultura brasileira, do povo brasileiro, de sua miscigenação, da sua gastronomia. Lançou “Casa Grande e Senzala” na década de 1930, e com isso traz reflexões com a percepção da época. O autor revela muitos dados e documentos antigos que nos mostram como éramos (e em muito, continuamos a ser) em nosso comportamento e cultura nacional.
“Casa Grande e Senzala” revela a nossa raiz cultural, como se estruturou a organização social, econômica e a política em nosso país. Revela a nossa dívida histórica para com os povos oprimidos; tanto os indígenas , donos das terras invadidas que resistiram e foram aniquilados, quanto os negros, que foram tirados de sua terra para viver na escravidão.
Nesse livro, Gilberto mostra de forma até hilária nossos antigos costumes, escancara a cultura brasileira, sem esconder nossa tendência ao desbunde. Criamos um modelo capitalista parecido com a Europa, porém menos racional. E é perceptível até nos tempos atuais que o modelo parece “apertado em nossos corpos”. Somos um povo livre por natureza, cheio de vida e emoção  e merecemos um modelo de civilização que respeite nosso povo e cultura.
Além de gênio, Gilberto Freyre é também um homem de seu tempo. Com um olhar crítico é possível absorver da obra muito conhecimento dessa nossa cultura brasileira tão vasta.

Buscando salientar os principais tópicos, segue um breve fichamento do livro:

“Faltou-me quem me dissesse então, como em 1929 Roquette-Pinto aos arianistas do Congresso Brasileiro de Eugenia, que não eram simplesmente mulatos ou cafuzos os indivíduos que eu julgava representarem o Brasil, mas cafuzos e mulatos doentes.”
“Boas salienta o fato de que nas classes de condições econômicas desfavoráveis da vida os indivíduos desenvolverem-se lentamente, apresentando estatura baixa, em comparação com a das classes ricas. Entre as classes pobres encontra-se uma estatura baixa aparentemente hereditária, que, entretanto, parece suscetível de modificar-se, uma vez modificadas as condições de vida econômica. Encontram-se – diz Boas – proporções do corpo determinadas por ocupações, e aparentemente transmitidas de pai a filho, no caso do filho seguir a mesma ocupação que o pai.”
“Na Rússia, devido à fome de 1921 e 1922 – resultado não só da má organização das primeiras administrações soviéticas como do bloqueio da nova república pelos governos capitalistas – verificou-se  considerável  diminuição na estatura da população.”
“Refutando a teoria de Oliveira Viana – a inexistência da luta de classes na formação social do Brasil – lembra Astrojildo Pereira as guerras, os conflitos dos ‘senhores’ com os indígenas e com os negros fugidos (quilombolas) e da própria burguesia nascente com a aristocracia rural já estratificada. Também os conflitos dos representantes da Coroa, quando fortalecidos pelas descobertas das minas, com os caudilhos rurais. Estes, embora atravessando crises e sofrendo depressões de poderio, foram a força preponderante.”
“A índia e a negra-mina a princípio, depois a mulata, a cabrocha, a quadrarona, a oitavona, tornando-se caseiras, concubinas e até esposas legítimas dos senhores brancos, agiram poderosamente no sentido de democratização social no Brasil.”
“Salientam-se entre as conseqüências da hiponutrição a diminuição da estatura, do peso e do perímetro torácico; deformações esqueléticas; descalcificação dos dentes, insuficiências tiróidea, hipofisaria e gonadial provocadoras da velhice prematura, fertilidade em geral pobre, apatia, não raro infecundidade. Exatamente os traços de vida estéril e de físico inferior que geralmente se associam às sub-raças; ao sangue maldito das chamadas ‘raças inferiores’.”
“... o costume dos conventos medievais de tocar-se um sino à hora da comida: ‘serve elle para avisar o viajante vagando pelo campo, ou o desvalido da visinhança, que pode chegar à mesa do dono que está se apromptando; e, com effeito, assenta-se quem quer a essa mesa de hospitalidade. Nunca o dono repelle a ninguém, nem sequer pergunta-se-lhe quem he...”
“Também em Minas. Na tapera de Samangolê, Município de Paracatu, havia até há pouco um baile de noite de São João concorrido por gente de toda parte, que vinha em seges e cadeirinhas, escoltadas de pajens, etc. As orquestras tocavam a noite inteira. Mas ao amanhecer, tudo tinha desaparecido. Ultimamente esse mal assombrado se desencantou. Entre as mais famosas casas velhas mal-assombradas do Brasil está a do Padre Correia (Petrópolis) onde “conta-se que a alma dos veneráveis Correias por ali erravam à noite protestando contra o abandono da propriedade.”
“Aliás, em matéria de domesticação patriarcal de animais, d´Assier observou exemplo ainda mais expressivo: macacos tomando a bênção aos muleques do mesmo modo que estes aos negros velhos e os negros velhos aos senhores brancos. A hierarquia das casas-grandes estendendo-se aos papagaios e aos macacos.”
“O chão de todas as habitações e officinas deve ser levantado acima do terreno visinho: huma mistura de barro, tubatinga, área e bosta de boi applicada e soccada torna-se quase tão dura como ladrilho e serve bem para argamassar tanto os terreiros como os pavimentos.”
“A história social da casa-grande é a história íntima de quase todo brasileiro: de as vida doméstica, conjugal, sob o patriarcalismo escravocrata e polígamo; da sua vida de menino; do seu cristianismo reduzido à religião de família e influenciado pelas crendices da senzala.”
“... uma procissão de negros de Guiné em Pernambuco, organizados em confraria do Rosário, todos muito em ordem ‘uns traz outros com as mãos sempre alevantadas, dizendo todos: Ora pro nobis’.”
“Anchieta lamenta nos nativos, o que Camões já lamentara nos portugueses – ‘a falta de engenhos’, isto é, de inteligência, acrescida do fato de não estudarem com cuidado e de tudo se levar em festas, cantar e folgar; salientando ainda a abundância dos doces e regalos, laranjada, aboborada, marmelada, etc., feitos de açúcar.”
“Com relação ao Brasil, que o diga o ditado: ‘Branca para casar, mulata para f...., negra para trabalhar’.”
“Tais uniões devem ter agido como ‘verdadeiro processo de seleção sexual’, dada liberdade que tinha o europeu de escolher mulher dentre dezenas de índias. De semelhante intercurso sexual só podem ter resultado bons animais, ainda que maus cristãos ou mesmo más pessoas.”
“Através de certas épocas coloniais observou-se a pratica de ir um frade a bordo de todo navio que chegasse a porto brasileiro, a fim de examinar a consciência, a fé, a religião do adventício. O que barrava então o imigrante era a heterodoxia; a mancha de herege na alma e não a mongólica no corpo. Do que se fazia questão era da saúde religiosa: a sífilis, a bouba, a bexiga, a lepra entraram livremente trazidas por europeus e negros de várias procedências.”
“... o  Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade.”
“A fuga das mulheres era mais difícil; de sorte que o rapto das índias foi largamente praticado pelos pretos quilombolas.”
O filho do senhor de engenho contraía sífilis quase brincando entre negras e mulatas ao perder a virgindade com doze ou treze anos. O brasileiro ostentava a marca de sífilis como quem ostentava uma ferida de guerra.
“Degradados, cristãos-novos, traficantes normandos de madeira de tinta que aqui ficavam, deixados pelos seus para irem se acamaradando com os indígenas; e que acabavam muitas vezes tomando gosto pela vida desregrada no meio de mulher fácil e à sombra de cajueiros e araçazeiros.”
“Não convém, entretanto, esquecer-se o sadismo da mulher, quando grande senhora, sobre os escravos, principalmente sobre as mulatas; com relação a estas, por ciúme ou inveja sexual.”
“À cultura do litoral atlântico – aquela com que primeiro se puseram em contato os europeus no Brasil – devem-se acrescentar os seguintes traços: o hábito de fumar tabaco em cachimbo; as aldeias cercadas de pau-a-pique; bons instrumentos de pedra; em vez do simples enterramento, os mortos colocados em urnas. Ao mesmo tempo que à cultura dos Jê-Botocudo ou Tapuia do Centro há que subtrair vários dos traços mencionados: o pouco de lavoura e tecelagem, o começo da astrologia encontrados entre tribos do norte e da costa, o fabrico e uso de instrumentos de pedra, o uso de rede para dormir. Acentua-se na cultura dos Jê-Botocudo traços que, segundo Wissler, os aproximam dos Patagônios, colocando-os em estádio inferior ao dos Tupi. Entre outros, o canibalismo.”
“... a presença de ‘algumas aves domesticadas como os jacamins; de roedores, tais como a cutia e a paca; e de alguns macacos.’ É verdade que nenhum desses animais a serviço domestico nem empregado no transporte de fardos, todo ele feito penosamente ao dorso do homem e principalmente da mulher.”  Entre os indígenas era quase somente pela companhia.
“Karsten encontrou entre os Jibaro o mito de ter havido época em que os animais falaram e agiram do mesmo modo que os homens. E ainda hoje – acrescenta – ‘o índio não faz distinção definida entre o homem e o animal. Acredita que todos os animais possuem alma, em essência da mesma qualidade que a do ser humano; que intelectual e moralmente seu nível seja o mesmo que o do homem’.”
“... a mulher não se agastava com o fato de o homem, seu companheiro, tomar outra ou outras mulheres.”
“... a elegante rainha Margarida de Navarra passava uma semana inteira sem lavar as mãos;”
“... advertia os jovens da nobreza a não assoarem o  nariz à mesa com a mão que estivesse segurando o pedaço de carne; que em 1530 Erasmo considerava decente assoar-se a pessoa a dedo, uma vez que esfregasse imediatamente com a sola d sapato o catarro que caísse no chão;”
“Dos indígenas parece ter ficado no brasileiro rural ou semi-rural o hábito de defecar longe de casa; em geral no meio de touça de bananeiras perto do rio. E de manhã, antes do banho.”
“O mesmo pesquisador foi encontrar entre os  Pueblos uma dança destinada especialmente a fazer medo aos meninos e incutir-lhes sentimentos de obediência e respeito aos mais velhos. Os personagens da dança eram uns como papões ou terríveis figuras de outro mundo, descidos a este para devorar ou arrebatar meninos maus. Stevenson informa-nos de dança semelhante entre os Zuñi, esta macabra, terminando na morte de uma criança, escolhida dentre as de pior comportamento da tribo: mas realizando-se com intervalos de longos anos. O fim, o moral, o pedagógico, de influir pelo medo ou pelo exemplo do castigo tremendo sobre a conduta do menino.”
Silvanus era o espírito mau da floresta.
“E entre os índios Gaulala, da California, Powers foi encontrar danças do diabo, que comparou às haberfeld treiber da Bavária – instituição para amedrontar as mulheres e as crianças e conservá-las em ordem.”
“Danças semelhantes de ‘diabo’ – ou Jurupari – havia entre os indígenas do Brasil; e com o mesmo fim de amedrontar as mulheres e as crianças e conservá-las em boa ordem.”
“Por uma espécie de memória social, como que herdada, o brasileiro, sobretudo na infância, quando mais instintivo e menos intelectualizado pela educação européia, se sente estranhamente próximo da floresta viva, cheia de animais e monstros, que conhece pelos nomes indígenas e, em grande parte, através das experiências e superstições dos índios.”
“Às vezes os padres procuraram, ou conseguiram, afastar os meninos da cultura nativa, tornando-a ridícula aos seus olhos de catecúmenos: como no caso do feiticeiro referido por Montoya. Conseguiram os missionários que um velho feiticeiro, figura grotesca e troncha, dançasse na presença da meninada: foi um sucesso. Os meninos acharam-no ridículo e perderam o antigo respeito ao bruxo, que daí em diante teve de contentar-se em servir de cozinheiro dos padres.”
“Criminoso ou escravo fugido que se apadrinhasse com senhor de engenho livrava-se na certa das iras da justiça ou da polícia. Mesmo que passasse preso diante da casa grande bastava gritar:  - ‘Valha-me, seu Coronel Fulano.’ E agarrar-se à porteira ou a um dos moirões da cerca. Da mesma maneira que outrora, em Portugal, refugiando-se o criminoso à sombra das igrejas, escapava ao rigor da justiça Del-Rei.”
O Brasil, no início da colonização era somente pau-de-tinta e almas para Jesus Cristo.
“Deixemo-nos de lirismo com relação ao índio. De opô-lo ao português como igual contra igual. Sua substituição pelo negro – mais uma vez acentuemos – não se deu pelos motivos de ordem moral que os indianófilos tanto se deliciam em alegar: sua altivez diante do colonizador luso em contraste com a passividade do negro. O índio, precisamente pela inferioridade de condições de cultura – a nômade, apenas tocadas pelas primeiras e vagas tendências para a estabilização agrícola – é que falhou no trabalho sedentário. O africano executou-o com decidida vantagem sobre o índio principalmente por vir de condições de cultura superiores. Cultura já francamente agrícola. Não foi questão de altivez nem de passividade moral.”
“Cantavam e dançavam as freiras com tal algazarra que o viajante chegou a acreditar que estivessem possuídas de algum espírito zombeteiro. Depois do que representaram uma comédia de amor.”
“Mas outros característicos pagãos do culto de São Gonçalo conservam-se em Portugal. Entre outros, as enfiadas de rosários fálicos fabricados de massa doce e vendidos e ‘apregoados em calão fescenino’ – informa Luís Chaves – pelas doceiras à porta das igrejas. E já nos referimos ao costume das mulheres estéreis de se friccionarem ‘ desnudadas’, pelas pernas da imagem jacente do Bem-Aventurado, enquanto os crentes rezam baixinho e não erguem os olhos para o que não devem ver.’ A fricção sexual dos tempos pagãos acomodada a formas católicas.”
“A maior delícia do brasileiro é conversar safadeza.”
“Um elemento de colonização portuguesa do Brasil, aparentemente puro, mas na verdade corruptor, foram os meninos órfãos trazidos pelos jesuítas para seus colégios. Informa Monteiro que nos ‘livros nefando são citados com relativa freqüência’.”
“ A freqüência da feitiçaria e da magia sexual entre nós é outro traço que passa por ser de origem exclusivamente africana. Entretanto o primeiro volume de documentos relativos às atividades do Santo Ofício no Brasil registra vários casos de bruxas portuguesas. Suas praticas podem ter recebido influencia africana: em essência, porem, foram expressões do satanismo europeu que ainda hoje se encontra entre nós, misturado a feitiçaria africana ou indígena. Antônia Fernandes, de alcunha Nóbrega, dizia-se aliada do diabo: as consultas, quem respondia por ela era ‘certa cousa que falava, guardada num vidro’. Magia medieval do mais puro sabor europeu. Outra portuguesa, Isabel Rodrigues, ou Boca-Torta, fornecia pós miríficos e ensinava orações fortes. A mais celebre de todas, Maria Gonçalves, de alcunha Arde-lhe-o-rabo ligavam-se quase todos a problemas de impotência e esterilidade. A clientela dessas feiticeiras coloniais parece que era quase exclusivamente de amorosos, infelizes ou insaciáveis.”
Outra figura que era utilizada para amedrontar era o “homem marinho – terrível devorador de dedos, nariz e piroca de gente”.
“Há o akpalô fazedor de alô ou conto; e há o arokin, que é o narrador das crônicas do passado. O akpalô é uma instituição africana que floresceu no Brasil na pessoa de negras velhas que só faziam contar histórias. Negras que andavam de engenho em engenho contando histórias às outras pretas, amas dos meninos brancos. José Lins do Rego no seu ‘Menino de Engenho’, fala das velhas estranhas que apareciam pelos bangüês da Paraiba: contavam histórias e iam-se embora. Viviam disso. Exatamente a função e o gênero de vida do akpalô.”
“A linguagem infantil brasileira, e mesmo a portuguesa, tem um sabor quase africano: Cacá, pipi, bumbum, tentem, neném, tatá, papá, papato, lili, mimi, au-au, bambanho, cocô, dindinho, bimbinha.”
“As Antônias ficaram Dondons, Toninhas, Totonhas; as Teresas, Tetés; os Manuéis, Nezinhos, Mandus, Manés; os Franciscos, Chico, Chiquinho, Chicó; os Pedros, Pepés; os Albertos, Bebetos, Betinhos. Isto sem falarmos das Iaiás, dos Ioiôs, das Sinhás, das Manus, Calus, Bembens, Dedés, Marocas, Nocas, Nonocas, Gegês.”
Segue uma das canções que as mulatinhas do engenho cantavam para os filhos dos senhores:
“Meu branquinho feiticeiro,
Doce ioiô meu irmão,
Adoro teu cativeiro,
Branquinho do coração,
Pois tu chamas de irmãzinha
A tua pobre negrinha
Que estremece de prazer,
E vais pescar à tardinha
Mandi, piau e corvina
Para a negrinha comer.”

“Entre outras, a erva conhecida no Rio de Janeiro – segundo Manuel Querino – por pungo e por macumba na Bahia; e em Alagoas por maconha. Em Pernambuco é conhecida por maconha; e também, segundo temos ouvido entre seus aficionados, por diamba ou liamba. Diz Querino que o uso da macumba foi proibido pela Camara do Rio de Janeiro em 1830, o vendedor pagaria 20mil de multa; o escravo que usasse seria condenado a 3 dias de cadeia. Já fumamos a macumba ou diamba. Produz realmente visões e um como cansaço suave; a impressão de quem vola cansado dum baile, mas com a musica ainda nos ouvidos. Parece, entretanto, que seus efeitos variam consideravelmente de individuo para individuo. Como seu uso se tem generalizado em Pernambuco, a polícia vem perseguindo com rigor os seus vendedores e consumidores – os quais fumam-na em cigarros, cachimbos e alguns até a ingerem em chás.”
“Alguns consumidores da planta, hoje cultivada em várias partes do Brasil, atribuem-lhe virtudes místicas; fuma-se ou ‘queima-se a planta’ com certas intenções, boas ou más. Segundo Querino, o Dr. J.R. da Costa Dória atribui-lhe também qualidade afrodisíaca. “
“Os viajantes que aqui estiveram no século XIX são unânimes em destacar este ridículo da vida brasileira: os meninos, uns homenzinhos à força desde os nove ou dez anos. Obrigados a se comportarem como gente grande: o cabelo bem penteado, às vezes frisado à Menino Jesus; o colarinho duro; calça comprida; roupa preta; botinas pretas; o andar grave; os gestos sisudos; um ar tristonho de quem acompanha enterro.”
“Os pretos foram os músicos da época colonial e do tempo do Império.”
“...houve não só banda de música de negros, mas circo de cavalinhos em que os escravos faziam de palhaços e de acrobatas. Muitos acrobatas de circo, sangradores, dentistas, barbeiros e até mestres de menino – tudo isto foram os escravos no Brasil; e não apenas negros de enxada ou de cozinha.”
“Imagine-se a saudade com que os meninos de engenho, acostumados a uma vida toda de vadiação – banho de rio, arapuca de apanhar passarinho, briga de galo, jogo de trunfo na casa de purgar com os negros e os muleques, chamego com as primas e as negrinhas – deixavam essas delícias para virem de barcaça ou a cavalo, parando pelo caminho nos engenhos dos parentes e conhecidos dos pais, estudar nos internatos...”
“Os discípulos dos padres Cardim e Faria ‘sem temor de Deus nem vergonha dos homens’ andavam o dia inteiro como uns bodes, pulando cercas e saltando valados, atrás de escravas e de ‘outras mulheres que para esse fim mandam vir da cidade’.”
“Entre os privilégios negados à gente de cor achava-se o sacerdócio; por esse motivo grande empenho faziam as famílias de avoengos mais respeitáveis em ter entre seus membros padres ou religiosos; era uma prova de pureza de sangue...”
“É curioso observar que Minas Gerais parece ter sempre tomado a dianteira nos movimentos de democratização social do Brasil, contra os preconceitos de branquidade e de legitimidade.”
“De modo que talvez fossem melhores os suplícios de que nos fala o Padre Sequeira:  o menino ajoelhado em caroço de milho durante duas, três, quatro horas; os bolos das várias palmatórias pedagógicas e domésticas – a pele de cação, a de jacarandá e a maior para os valentões, de gramari. Em Minas dizem que certo padre do Caraça, Padre Antunes, ‘amarrava o lenço no braço para ter mais força de puxar a palmatória’. A pedagogia  como a disciplina patriarcal no Brasil apoiou-se sobre base distintamente sadista. Resultado, em grande parte, das condições de seu inicio: uma pedagogia e uma disciplina de vencedores sobre vencidos, de conquistadores sobre conquistados, de senhores sobre escravos. É um estudo a fazer-se, o das várias formas e instrumentos de suplícios a que esteve sujeito o menino no Brasil em casa e no colégio: as várias espécies de palmatórias, a vara de marmelo, às vezes com alfinete na ponta, o cipó, o galho de goiabeira, o muxicão, o cachação, o puxavante de orelha, o beliscão simples, o beliscão de frade, o cascudo, o cocorote , a palmada.”
“Refere Taunay que em muitas fazendas o preparo do arroz, indispensável nas mesas brasileiras, era delegado a um especialista.”



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