sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O Sagrado e as construções de mundo - fichamento crítico

Esse livro é a reunião de vários artigos que professores de "Ciências da Religião" da Universidade Católica de Goiás escreveram como roteiro para aulas de introdução à teologia na universidade.
"Dá-se mais atenção à investigação científica, que se volta à tecnologia de ponta, do que à própria adequação desta aos valores humanos e aos direitos da pessoa."
"Eu sou eu. Só posso ser eu. Só quero ser eu. Você é você. Só pode querer ser você. De nada adianta querer imitar os outros, pois, ao fazê-lo, perdemos nossa autenticidade. O melhor é a gente querer ser o que é, aceitar-se como se é. Somos todos diferentes. Procure ser você, apenas você. Deixe que os outros sejam como são. Não é bom que as pessoas sejam diferentes umas das outras? É muito melhor. Não é verdade? Pensar assim, revela uma mente aberta à realidade, mais acolhedora e compreensiva (NOVAIS, 1994, p.13, 24)."
Toda pessoa decente zela pelo seu nome.
O nome define a função, o trabalho que a pessoa deve desempenhar no plano do Reino de Deus.
"O amor a si mesmo é prioritário, é o começo de tudo. Quem não se ama, não é capaz de amar alguém, nem merece ser amado."
"Quem não se ama espalha, dispersa tudo para longe de si."
"Saber conviver com a diferença é sinal de saúde psicológica e espiritual, porque quem preza a própria liberdade respeitaa liberdade do outro em sua diferença e até se alegra com ela."
"...  verdade flui de várias maneiras - por manifestações culturais, sociais - e passa, necessariamente, por muitíssimos tipos de leituras, visto que "os nossos ângulos de ver a Verdade ainda não é a Verdade Toda..."
Não é possível ter uma compreensão de Deus por meios racionais e lógicos "O indivíduo deve participar de Deus".
Concluímos que o processo da influência é incosciente em ambas as partes. O processo de imitação desenvolve-se como parte da participação mística."
Não é tão simples como muitos querem pensar, pois não precisamos apenas de comida e bebida, contatos físicos e relações sociais, mas precisamos também descobrir o sentido da nossa vida.
Se as forças sobrenaturais são ou não são verdadeiras não é importante.
"Os artistas, nessa ânsia de entender o mistério da vida, deixam-nos em suas pinturas, estátuas, poesias, textos e músicas, caminhos possíveis para outros que se debatem na mesma busca e com as mesmas perguntas para compreendereem Deus."
"Com nossa inteligência e imaginação podemos voar longe, sonhar um mundo fantástico, visitar outros lugares, criar situações, mergulhar na vastidão da imaginação. É a capacidade de 'transcender-nos'. Os filmes, por exemplo, são terrenos privilegiados da criatividade e da fantasia humanas, tanto é que saindo de uma sala de cinema tem-se a sensação de se ter vivido uma experiência fantástica que provoca um pequenos choque com a realidade cotidiana."
"Nesta busca de respostas e de sentido, o ser humano fazendo uso de sua capacidade de transcender-se, se abre ao 'Transcendente', como ser superior, imortal, divino, que está no início e no fim de tudo. Na história da humanidade, a crença num ser transcendente, criador e mantenedor da ordem cósmica é atestada nos mitos de origem em praticamente todas as religiões. Ele pode ser definido como o Bem, a Ordem, a Providência divina, a Perfeição, a Vida, a Causa Primeira, Deus
etc. A ideia fundamental, porém, é a mesma: trata-se do princípio infinito que está na origem da vida do universo, de sua conservação e ordem, para o qual tudo está orientado no futuro. Pela filosofia tal conceito é definido como 'causa não causada' (Tomás de Aquino), ao passo que para a teologia é um ser transcendente: Deus."
"... um ser perfeito não pode criar outro ser perfeito,porque estaria criando a si mesmo."
Os três elementos básicos que formam uma religião: "um corpo doutrinal sólido, um conjunto de ritos e um grupo sacerdotal responsável pela tradição, interpretação e pelo correto ' funcionamento' da estrutura.”
“ A teologia pressupõe a experiência religiosa e a fé.”
“A teologia se baseia na revelação de Deus que pode ser natural (na criação), ou sobrenatural (história sagrada, tradição oral e escrita, profetas, Jesus etc).”
“... para a ciência, a verdade é o ponto final de um procedimento metodológico; para a Teologia, a verdade nos procede e transcende, podendo ter acesso a ela somente por revelação e pela fé”
“ A experiência religiosa, quando lida pelo enfoque da razão, torna-se objeto de estudo e investigação das várias ciências humanas, como a Antropologia, a Sociologia, a Historiografia, a Psicologia etc.”
A religião é um dos ingredientes da cultura de um povo pois ela é a busca dos significados e respostas às perguntas profundas.
“ A religião não é patrimônio exclusivo das igrejas. É fruto da história dos povos e a eles pertence como um dos elementos mais significativos e importante de suas culturas; porque ela, antes de ser a estruturação de certa experiência religiosa é, e representa, o anseio humano de se transcender e de se encontrar com aquele Ser, no qual a humanidade encontra as respostas às suas perguntas profundas”
“mito é um relato de um acontecimento originário, no qual os Deuses agem e cuja finalidade é 'dar sentido' a ua realidade significativa” (CROATTO, 2001, p.209)
“O vinho consagrado, mesmo sendo sangue de Cristo, pode embebedar, do mesmo jeito que o não consagrado.”
“... o Bhagavad Gita, a canção do amado, o texto sagrado mais popular da Índia, em que Krishna transmite ao guerreiro Arjuna a sabedoria de vida essencial do yoga;”
Buda não deixou nada por escrito, seus ensinamentos foram reunidos e escritos por seus discípulos por volta do século IV a.C.
A Bíblia Hebraica é também considerada como escritos sagrados para os muçulmanos, pois Abraão é respeitado como patriarca e referência religiosa para esse povo.
Lao Tse, nascido em 604 a.C. "teria passado a primeira metade de sua vida como bibliotecário da corte e, a segunda metade, como contemplativo. No fim da vida, rumo ao Tibete, montado num boi, embrenhou-se na floresta onde, segundo tradições, vive até hoje".
"Maomé é o nome ocidentalizado de Muhammad Ben Abdallah, um grande místico que passava noites em oração."
O exemplar mais antigo do Alcorão data de 776.
Com o passar do tempo as religiões sofrem algumas crises, pois a sociedade se transforma. Alguns dos desafios das religiões são "a dificuldade de se orientar no mundo moderno; a crise da autoridade tradicional, a crise das referências, dos controles e dos valores" e também "o desejo de integração e ascensão social e o medo do descenso".
Muitas pessoas criam suas próprias religiões à partir de recortes que elas tiram de universos religiosos diferentes.
"O indivíduo pode entender-se a si mesmo comparando-se com os outros, com valores, instituições e significados presentes na sociedade. Caso não consiga se localizar em relação ao lugar que ocupa no seio da sociedade, ele sente-se ameaçado de perder os laços que o satisfazem emocionalmente, de perder sua orientação na experiência da vida, ou seja, sente-se ameaçado de anomia".
"Outra forma de resolução é ainda a concepção do 'carma' que crê na transmigração das almas e nas reencarnações, que podem ser em outras vidas melhores, até chegar à divindade, ou em vida piores, até chegar ao estado do animal" (WEBER, 1991).
"Adquire, então, a mania de projetar na ideia de Deus seus próprios atributos, em lugar de tomá-los para si mesmos; ou seja, o ser humano fabrica a religião, uma imagem invertida do mundo, porque o mundo mesmo está invertido".
"... a religião é a expressão da miséria real, mas é também o protesto contra a miséria real".
No budismo, a monja mais velha tem o dever de prestar reverência ao mais novo dos monges.
Na teologia feminista "a Bíblia não é mais aceita acriticamente como a palavra de Deus, nem o Gênesis é considerado um relato histórico sobre a origem do mundo e da sociedade humana".
"O pudor que encobre seus membros ou lhes cerra os lábios é a própria marca da feminilidade" (MATOS, 2003).
A Hermenêutica bíblica feminista "apóia a mulher na sua luta por libertação e direitos mas, ainda assim, encara-a como um ser inferior no momento em que a iguala aos fracos".
"Um estudo à parte seria sobre a família, tão decantada 'célula mater' da sociedade; mas esta é autoritária e esta a serviço do poder, sendo, portanto, reprodutora e fiel servidora do aparato do poder constituído. Qual o ditador que não lançou mão da família para reafirmar sua dominação?". "A Igreja institucional equivoca-se compartilhando desse universo patriarcal".
"A religião é a alma ou a dimensão central da cultura" (BELLO, 1998)
A cultura é o lugar da diferença, do debate.
"O preconceito torna-se então uma postura, uma concepção, pela qual algumas pessoas consideram sua cultura, suas crenças, seus símbolos, superiores e/ou melhores do que os dos outros povos e de outras culturas (etnocentrismo), servindo-se assim de avaliações negativas sobre as pessoas- suas culturas, seu imaginário simbólico, suas crenças e o seu ethos -, isto é, seu modo de ser no mundo."
"Às vezes, tem-se a impressão de que as religiões só conseguem se impor arrancando o 'convertido' de seu modo de ser no mundo, desenraizando-o de seu universo familiar, cultural e religioso."
"Não haverá paz no mundo sem paz religiosa", e para essa paz ser uma realidade é preciso um compromisso das pessoas de fé de conviverem pacificamente, independente da fé ou religião que cada um tiver."
Na indústria da guerra os EUA chegaram a gastar 446 bilhões de dólares em 2004. "Conforme o Banco Mundial, este montante corresponde a dez vezes mais do que o necessário para reduzir a pobreza mundial pela metade, sendo que 'bastariam os gastos militares norte-americanos de somente 40 dias para conseguir este objetivo" (MARROQUÍN, 2003, p.43)
"Necessário, afinal, se faz optar entre 'Deus e o Mammon/dinheiro' (Mt 6,24) porque esta escolha repercurte na vida cotidiana de todo mundo, sobretudo das pessoas empobrecidas, e contribui ou prejudica processos de construção de culturas de paz".
"Eles perceberam, como Dom Hélder Câmara, que todo pensador e toda teoria, também a teoria teológica, sempre estão ligados a um lugar social e a determinados interesses. Nesse sentido não existe conhecimento neutro".
"Como viver hoje a palavra de Jesus "eu vim trazer liberdade aos cativos" e não traduzir isso em solidariedade para com os injustamente presos, para com os perseguidos e excluídos de nossa sociedade? E havia ainda essa questão: que contribuição minha teologia e minha igreja podem dar aos esforços dos pobres que já estão lutando pela libertação da fome, da pobreza e da marginalização?"
"No martiriológio latino-americano para cada dia do ano há uma pessoa que tombou, vítima da violência policial, do latifúndio, da segurança nacional ou das segurança dos privilégios da burguesia".
A defesa da vida é o foco principal da teologia da libertação hoje. Não são mais somente os pobres que lutam pela vida, para não morrer. A terra, as águas, a fauna e a flora também estão ameaçadas por essa civilização predatória, consumista e insensível que se globalizou com o mercado capitalista".
"Não se pode ler e estudar a Bíblia na base do fundamentalismo/concordismo, pois isso é falta de respeito ao mundo das ciências e à fé".
A narrativa da criação do livro do Gênesis "é um poema universal que sintetiza em uma semana, os cinco bilhões de anos da história do universo".
"A linguagem é mítico-simbólica conhecida no seu tempo não só em Israel mas em outros povos orientais, que falavam da 'árvore da vida'(Gn 2,9), da 'serpente' (3,1), um tmpo de paraíso no início dos tempos".
"Nas bíblias, em português, fala-se da 'costela' do Adão. No entanto a palavra hebraica (letza) pode significar, melhor que costela, o 'lado'. Quer dizer, Deus tirou um lado de Adão, e, assim, formou Eva".
"...religião dos cananeus: era uma religião agradável, com o culto ritual do sexo, sem compromisso ético, apenas com exigências de colocação de ritos".
Nas "teses" da ciência atual ficam excluídas quaisquer referências a elementos ou processos não materiais. Conceitos como alma ou espírito não ajudam a elucidar, ao contrário são complicadores.
"Em todos os discursos religiosos o divino é algo 'externo' e o mesmo tempo 'estranho'. Esta exterioridade não é física e territorial como as palavras 'externo' e 'estranho' sugerem, mas não temos imagens melhores para expressá-la. A palavra que se tornou a designação própria desta exterioridade é 'transcendência'."
A teologia possui uma forma peculiar de observar a vida, é diferente do científico, utiliza o método hermenêutico.
Construir constantemente o sentido da respostas é rumo da Teologia.
"A Teologia é como um olhar dirigido para o passado que permite avaliar, de alguma forma provisória e preventiva, as
imaginações do futuro, a Teologia é uma estratégia de reflexão sobre o presente."
"Acreditar épermitir que uma narrativa saia do quadro da simples leitura e gere um mundo."
"A revolução biotecnológica afetará todos os aspectos de nossa vida. A forma como nos alimenttamos, como namoramos e casamos, como temos os nossos bebês, como educamos e criamos nossos filhos, como trabalhamos, como nos envolvemos com a política, como expressamos nossa fé, como percebemos o mundo ao nosso redor e nossa posição nele - todas as nossas realidades, pessoais e coletivas serão profundamente tocadas pelas novas tecnologias do século biotecnológico. A revolução biotecnológica obrigará cada um de nós a espelhar seus valores mais íntimos, levando-nos a ponderar sobre a questão máxima da finalidade e sentido da existência (RIFKIN, 1999, p.248)"
"A realidade se constrói valendo-se dos critérios de validação dos discursos aceitos".
O papel de construir o significado da doença e morte, assim como da cura, foi assumido, em quase todas as culturas humanas, pela religião. E estatisticamente a crença na medicina ainda não ultrapassou a crença nos poderes sobrenaturais de cura."
E sobre a fé, cabe a citação do grande médico-mágico da Renascença, Paracelso, que dizia:"Não é importante que o sujeito de nossa fé seja verdadeiro ou falso, pois os efeitos são os mesmos. (...) a fé realiza o milagre, seja ela fé justa ou fé errada."
Afirmação do biólogo Henri Atlan (1992, p.235): "Já não se interroga mais a vida nos laboratórios mas apenas nos interessamos pela lógica a organização dos sistemas vivos".
O espiritual é que leva, em todas as suas características e exigências a pessoa a buscar os mistérios e o transcendente.
Os quatro conceitos teológicos importantíssimos para a vida humana:"'fé', que é uma realidade inata em todos os indivíduos; a 'alegria', como fonte de energia para promover as expectativas da existência; a 'esperança', como propósito de motivações que determinam a nosso futuro; e a 'paz', tão necessária, em qualquer época, para a vida de cada um até a vida no planeta."
"O mistério é o grande tema das religiões, da fé, da espiritualidade, da teologia."
"... em virtude dos acontecimentos que levaram as pessoas a praticarem, acadêmica ou socialmente, ações com grande influência racional positivista, o lado interior acabou ficando em plano secundário. No entanto, mesmo não aceitando esta realidade ela existe e continuará presente em nossas vidas."
"Estamos colocando a Boa Nova na camisa de forças da lógica excludentedo capital? Priorizar o problema social no Brasil de hoje é um desafio."
"Já a linguagem da experiência religiosa é a fé, o sagrado. A fé remete a uma experiência fundante de sentido para a totalidade da existência e do mundo. Esta linguagem sempre usa símbolos e metáforas, pois fala de uma realidade real, mas intangível, o mistério de Deus, que é trnascendente e inesgotável."
"Quanto mais mercadorias, mais felicidade, essa é a promessa de 'salvação'. Naturalmente essa ideologia vai dizer que quem não consegue ser um 'vencedor', é porque não batalhou o suficiente, fracassou por própria culpa. O que a ideologia não explica é porque a grande maioria nunca consegue 'chegar lá', por mais que se mate de trabalhar. Temos de novo uma concepção religiosa, no caso a 'teologia da prosperidade', reforçando um sistema econômico-político injusto."
"O senso comum não vai muito além das conversas de feira."
"O excesso de sofrimento humano, na tragédia social da fome, por exemplo, não pode ser expresso ou revelado por meio dos procedimentos teórico-metodológico das ciências humanas ou sociais. Sofrimento, vida e morte, sempre concretos e singulares, desaparecem atrás da metodologia científica, dos parágrafos do código civil, dos dados e da estatística social, pois neles as pessoas comparecem como generalidades abstratas, sem história e sem rosto, mas a teologia não pode
substituir os sujeitos pela quantificação das tabelas, pelo anonimato das leis ou pela abstração das cifras econômicas.
Para ela o sofrimento tem relevância não porque foram duzentas pessoas que morreram e não 'apenas duas', mas porque o sofrimento é a linguagem da presença de Deus no mundo."
"Quantos cientistas conhecem o sofrimento apenas por meio de gráficos e tabelas? Quantas vezes juristas fazem do julgamento de um pobre a arena para sua promoção pessoal? Quanta soberba e distanciamento pode existir nos procedimentos mais profissionais, especializados e científicos? Quantos cientistas e profissionais se acostumaram tanto a ser chamadas de doutor, vossa excelência, meritíssimo, reverendíssimo que se esqueceram que são seres humanos, iguais em dignidade a
todos os outros?"
Somos todos irmãos, iguais tanto em dignidade como em direitos e deveres.
É preciso uma valorização das outras dimensões humanas: na sensibilidade, na espiritualidade e na postura ética.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

On the road (Pé na Estrada)



Primeiramente assisti o filme (2012) com a direção de Walter Salles e depois li o livro, um clássico beat de 1957 do autor Jack Kerouac. O filme é bem feito, com bons atores e bem atual. Porém senti uma discrepância entre as duas obras, como ocorre quase sempre, já que o filme retrata a leitura que o diretor teve do livro. Mas a leitura do Walter Salles me desagradou, assim como desagradou muitos amigos meus que leram o livro e sentiram  como eu a deturpação que foi feita nessa obra clássica que ajudou na propagação dos ideais beat e posteriormente no movimento hippie.
Como bem sabemos o movimento beat e o movimento hippie foram importantes movimentos sociais e culturais a partir de onde surgiram estilos musicais, bandas, escritores entre outros artistas que ainda influenciam nossa cultura até os dias de hoje. No Brasil foi bem forte a influência da “Tropicália”, que recebeu influências de todos os movimentos sociais e culturais que ocorriam nos Estados Unidos e Europa, adaptando a cultura ocidental à nossa realidade, através da antropofagia.
Jack em seu livro traz o espírito da liberdade, o espírito do desapego, da aventura, da juventude inquieta e revolucionária, das pessoas que não se acomodam, que não se satisfazem com a mediocridade, com a padronização, com o establishment. Relata histórias dele e de seus amigos que resolveram desbravar os Estados Unidos de Leste a Oeste, percorrendo estradas (principalmente a rota 66) de carro, de trem e de carona. Aventuras repletas de experiência de vida, aprendizado e diversão.
O livro retrata uma juventude que era vista como rebelde sem causa, que consumiam maconha, bebida, tabaco e benzedrina, fora outras substâncias intorpecentes. Gostavam de festas e orgias. Alguns eram escritores, outros músicos, e havia os que simplesmente eram aventureiros.
Havia algumas pessoas mais velhas que possuiam pensamentos parecidos, e eram considerados tutores por essa juventude, um deles era o Old Bull Lee, que morava em uma fazenda, onde escrevia, fumava sua maconha plantada por ele mesmo, tomava sua benzedrina e bebia seu martine com sua esposa. Possuiam 2 filhos pequenos muito apegados a eles. Viviam loucos e felizes em família.
Eles curtiam muito o Blues que era a onda do momento no final dos anos 40, início dos anos 1950. Eles buscavam a proximação entre eles (brancos) e os negros. Não tinham medo e até gostavam de frequentar “os bairros negros”.
Na obra de Kerouac é retratada as relações de amizade e as relações amorosas que ocorrem entre membros do grupo, e mostra a dificuldade na adaptação dos antigos costumes de casar, ter filhos, emprego fixo com a realidade louca e desapegada dessa nova geração. As esposas de Dean que o digam.
Apesar de todas essas novidades no relacionamento que marcavam a geração deles, Jack não cita em sua obra, em nenhum momento o homossexualismo entre os amigos do grupo cujas histórias são narradas, apesar da amizade intensa e sem preconceitos, não há um relato concreto sobre alguma relação gay entre eles, o que me levou a questionar a qualidade do filme de Walter Salles.
Minha crítica é para todas as pessoas que gostam de generalizar os “alternativos e de vanguarda”, colocando todos no mesmo “saco”. Não é por que é hippie que é maconheiro, não é porque é alternativo que é gay. Cada pessoa tem suas características e gostos pessoais e isso, por favor, deve ser levado em conta.

domingo, 19 de outubro de 2014

Roberto e os coxinhas

Roberto estava indo ao banco pagar contas quando viu um senhor de uns 60 anos falando o porque de ele votar em candidatos de direita. Explicava que pobre é pobre porque não trabalha, não estuda, e por isso não se deve dar dinheiro, nem terra pra eles. Porém Roberto reparou que aquele senhor era classe média e de origem pobre. Vítima do sistema.

Depois de pagas as contas, Roberto se dirigiu para o trabalho e lá se deparou com uma cena, onde uma senhora de uns 55 anos falava dentre outras asneiras sobre como era boa a vida na época da ditadura, que naquele tempo havia mais moral, descência, as pessoas eram mais patriotas. Roberto pensou em falar algo, mas desistiu. Valeria a pena ensinar História para uma senhora ignorante desconhecida?

Roberto era um homem esclarecido, tinha interesse pela sabedoria, pelo conhecimento. Lia pelo menos 10 livros por ano, pesquisava na internet, assistia videos com conteúdo, travava longas conversas com pessoas inteligentes, e era humilde para aceitar quando errava ou quando descobria opiniões melhores que as suas. Concluiu o ensino universitário porém era crítico da Educação Institucionalizada, pois para ele a instituição desviava o foco da educação.

Durante anos Roberto foi militante de movimentos sociais, sempre apoiando as minorias e suas lutas. Tinha visão e experiência, além de um coração enorme. Ele era um homem ponderado mas naquele fim de tarde ele não conseguiu se conter. A gota d´água foi quando ele viu um bando de coxinhas, mauricinhos, filhinhos de papai, que não sabiam o valor do trabalho, do dinheiro, falando um monte de tolices. Como se não bastasse apoiar partidos de direita, eles criticavam o marxismo, o comunismo, o anarquismo e todos os cidadãos que participavam de greve ou protesto, sempre de uma forma tosca, fazendo piada, sem argumentos, criando a imagem do militante de esquerda como um vagabundo drogado que não sabe o que diz e que não tem mais o que fazer.

Enojado de toda aquela conversa alienada, Roberto ja estava saindo imputecido quando o mais coxinha do grupo lhe ofereceu um santinho e lhe pediu o voto para aquele candidato mal caráter. O sangue lhe subiu a cabeça e ele de súbito arrancou a cinta e começou a dar no infeliz. Dizia: "agora você vai ver como eu vou votar, seu sem-vergonha, coxinha safado!" Enquanto o besta tomava umas boas cintadas, seus parceiros sairam correndo com medo. Além de tudo eram frouxos.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Raízes do Brasil - resenha crítica

Nessa obra, Sérgio Buarque de Holanda busca mostrar nossas raízes, a cultura brasileira que afeta todos os setores do país.
As nações ibéricas. "O que entre elas predomina é a concepção antiga de que o ócio importa mais que o negócio e de que a atividade produtora é, em si, menos valiosa que a contemplação e o amor".
O caçador/coletor (aventureiro) que é um dos personagens que fazem parte da construção cultural barsileira, juntamente com o lavrador (trabalhador). O ideal do aventureiro é "colher o fruto sem plantar a árvore". "Esse tipo humano ignora as fronteiras, no mundo tudo se apresenta a ele em generosa amplitude e, onde quer que se erija um obstáculo a seus propósitos ambiciosos, sabe transformar esses obstáculos em trampolim. Vive dos espaços ilimitados, dos projetos vastos,
dos horizontes distantes".
"O trabalhador, ao contrário, é aquele que enxerga primeiro a dificuldade a vencer, não o triunfo a alcançar. O esforço lento, pouco compensador e persistente, que, no entanto, mede todas as possibilidades de esperdício e sabe tirar o máximo proveito do insignificante, tem sentido bem nítido para ele. Seu campo visual é naturalmente restrito. A parte maior do que o todo".
"...nem o aventureiro, nem o trabalhador possuem existência real fora do mundo das idéias".
"'Um português', comentava certo viajante em fins do século XVIII, 'pode fretar um navio para o Brasil com menos dificuldade do que lhe é preciso para ir a cavalo de Lisboa ao Porto'".
"Assim é que, em portaria de 6 de agosto de 1771, o vice-rei do Brasil mandou dar baixa do posto de capitão-mor a um índio, porque "se mostrara de tão baixos sentimentos que casou com uma preta, manchando o seu sangue com esta aliança, e tornando-se assim indigno de exercer o referido posto".
Os nossos índios, tinham dificuldades (insuperáveis)  em aprender os idiomas nórdicos , ao passo que o português, como o castelhano, lhes era muito mais acessível. "Os pretos velhos, se dizia que não o aprendiam nunca.
"Desses calvinistas holandeses é impossível dizer-se, como se disse, por exemplo, dos puritanos da América do Norte, que, animados pela inspiração bíblica, se sentiam identificados com o povo de Israel a ponto de assimilarem os indivíduos de outra casta, de outro credo e de outra cor, estabelecidos na Nova Holanda, aos cananeus do Antigo Testamento que o Senhor entregará à raça eleita para serem destruídos e subjugados".
"...homem de bom entendimento e prudência, esse prelado notou que, quando  mandava comprar um frangão, quatro ovos e um peixe para comer, nada lhe traziam, porque não se achavam dessas coisas na praça, nem no açougue, e que, quando as pedia às casas particulares, logo lhas mandavam. 'Então disse o bispo: verdadeiramente que nesta terra andam as coisas trocadas, porque toda ela não é república, sendo-o cada casa."
"...durante a grande época do café na província do Rio de Janeiro, não faltou lavrador que se vangloriasse de só ter de comprar ferro, sal, pólvora e chumbo, pois o mais davam de sobra suas próprias terras".
"... a própria palavra 'família', derivada de famulus, se acha estreitamente vinculada à ideia de escravidão, e em que mesmo os filhos são apenas os membros livres do vasto corpo, inteiramente subordinado ao patriarca, os liberi".
"... o pátrio poder é virtualmente ilimitado e poucos freios existem para sua tirania. Não são raros os casos como o de um Bernardo Vieira de Melo, que, suspeitando a nora de adultério, condena-a a morte em conselho de família e manda executar a sentença, sem que a justiça dê um único passo no sentido de impedir o homicído ou de castigar o culpado, a despeito de toda a publicidade que deu ao fato o próprio criminoso".
" A nostalgia dessa organização compacta, única e intransferível, onde prevalecem necessariamente as preferências fundadas em laços afetivos, não podia deixar de marcar nossa sociedade, nossa vida pública, todas as nossas atividades."
" O trabalho mental, que não suja as mãos e não fatiga o corpo, pode constituir, com efeito, ocupação em todos os sentidos digna de antigos senhores de escravos e dos seus herdeiros".
"Estereotipada por longos anos de vida rural, a mentalidade de casa-grande invadiu assim as cidades e conquistou todas as profissões, sem exclusão das mais humildes".
Cidade de Salvador no século XVI era uma cidade esquisita, de casas sem moradores, pois os proprietários passavam o mais tempo em suas roças rurais só vindo no tempo das festas.
A habitação em cidades é essencialmente antinatural, associa-se a manifestações do espírito e da vontade, na medida em que opõem à natureza.
"... a história não somente 'acontece', mas também pode ser dirigida e até fabricada".
A Universidade de São Marcos, em Lima. "... com os privilégios, isenções e limitações da de Salamanca, é fundada por cédula real de 1551, vinte anos apenas depois de iniciada a conquista do Peru por Francisco Pizarro".
"O padre Manuel da Nóbrega, em carta de 1552, exclamava: '... de quantos lá vieram, nenhum tem amor a esta terra...'".
"...a palavra 'desleixo' - palavra que o escritor Aubrey Bell considerou tão tipicamente portuguesa como 'saudade' e que, no seu entender, implica menos falta de energia do que uma íntima convicção de que 'não vale a pena'".
"... a guerra não se faz com invenções, senão com fortes corações".
"Não fez Deus o Céu em xadrez de estrelas...".
No Paraguai, todos se entendiam em guarani, e apenas os mais cultos sabiam o espanhol. Com estranhos só se falava espanhol.
"...'porque nem falar sabe', diz o bispo. E ajunta:'nem se diferença do mais barbaro Tapuia mais que em dizer que he Christão, e não obstante o haver se casado de pouco lhe assistem sete Indias concubinas, e daqui se pode inferir como procede no mais".
Em relação aos índios: "...em vão trabalha quem os quer fazer anjos antes de os fazer homens"
O autor diz que para conquistar um cliente no Brasil ou na Argentina, tem que começar fazendo dele um amigo.
Completa dizendo que as relações entre patrão e empregado costumam ser mais amistosas aqui do que em outra parte.
As relações entre os brasileiros se fundam no parentesco, na vizinhança e na amizade.
"Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição."
"E se bem considerarmos as teorias modernas, veremos que elas tendem, cada vez mais, a separar o indivíduo da comunidade
doméstica, a libertá-lo, por assim dizer, das 'virtudes' familiares."
"... 'a criança deve ser preparada para desobedecer nos pontos em que sejam falíveis as previsões dos pais.' Deve adquirir progressivamente a individualidade, 'único fundamento justo das relações familiares'. 'Os casos frequentes em que os jovens são dominados pelas mães e pais na escolha das roupas, dos brinquedos, dos interesses e atividades gerais, a ponto de se tornarem incompetentes, tanto social, como individualmente, quando não psicopatas, são demasiado frequentes para
serem ignorados.' E aconselha:'Não só os pais de ideias estreitas, mas especialmente os que são extremamente atilados e inteligentes, devem precaver-se contra essa atitude falsaas, pois esses pais realmente inteligentes são, de ordinário, os que mais se inclinam  a exercer domínio sobre a criança. As boas mães causam, provavelmente, maiores estragos do que as más, na acepção mais generalizada e popular destes vocábulos'."
"... são os órfãos, os abandonados, que vencem a luta, sobem e governam."
"... a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade - daremos ao mundo o homem cordial."
"... a polidez é, de algum modo, organização de defesa ante a sociedade." "Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar intatas sua sensibilidade e suas emoções."
" Os que assistiram às festas do Senhor Bom Jesus de Pirapora, em São Paulo, conhecem a história do Cristo que desce do altar para sambar com o povo."
O horror às distâncias faz parte do espírito brasileiro.
"Não admira pois, que nossa República tenha sido feita pelos positivistas, ou agnósticos, e nossa Independência fosse obra de maçons."
No Brasil "ocupar cinco ou seis cargos ao mesmo tempo e não exercer nenhum é coisa nada rara."
"... mais de cem estudantes conseguiam colar grau na Universidade de Coimbra todos os anos, a fim de obterem empregos públicos, sem nunca terem estado em Coimbra."
"Os campeões das novas ideias esqueceram-se, com frequência, de que as formas de vida nem sempre são expressões do arbítrio pessoal, não se 'fazem'ou 'desfazem' por decreto.
"por ora a cor do governo é puramente militar e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração de elemento civil foi quase nula. O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava."
"Os melhores, os mais sensíveis, puseram-se a detestar francamente a vida, o 'cárcere da vida', para falar na linguagem do tempo."
"Tornando possível a criação de um mundo fora do mundo, o amor às letras não tardou em instituir um derivativo cômodo para o horror à nossa realidade cotidiana. Não reagiu contra ela, de uma reação sã e fecunda, não tratou de corrigi-la ou domina-la; esqueceu-a, simplesmente, ou detestou-a, provocando desencantos precoces e ilusões de maturidade. Machado de Assis foi a flor dessa planta de estufa."
"... os nossos homens de ideias eram, em geral, puros homens de palavras e livros; não saíam de si mesmos, de seus sonhos e imaginações."
A alfabetização sem outros elementos fundamentais da educação é como uma arma de fogo posta nas mãos de um cego.
O Brasil se envergonhava (e ainda se envergonha) de si mesmo, de sua realidade biológica. Espalhou-se a ideia de que o país não pode crescer pelas suas próprias forças, e sim por força exterior, necessitando da aprovação dos outros.
O país só recorreu à guerra para ganhar respeito, não por ambição de conquista.
Fomos um dos primeiros países que aboliram a pena de morte, na prática antes que na legislação.
"... não são as leis escritas, fabricadas pelos jurisconsultos, as mais legítimas garantias de felicidade para os povos e de estabilidade para as nações."
A sociedade foi mal formada no Brasil desde suas raízes.
No Brasil as constituições foram feitas para não serem cumpridas e as leis para serem violadas.
"A tese de uma humanidade má por natureza e de um combate de todos contra todos há de parecer-nos, ao contrário,
extremamente antipática e incômoda. E é aqui que o nosso 'homem cordial' encontraria uma possibilidade de articulação entre seus sentimentos e as construções dogmáticas da democracia liberal."
Dessa forma Sérgio Buarque de Holanda encerra seu livro, expondo a tendência diplomática brasileira de que somos cordiais e apaziguadores, que não significa que não nos posicionemos política, econômica e militarmente.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A lição de Bukowski

Bukowski em sua obra "Mulheres" revela histórias verdadeiras de sua vida. Apesar do foco ser as mulheres que fizeram parte de sua vida, ele mostra muito da vida boêmia de Los Angeles dos anos 1970.
Ele era alcoolatra e gostava de fazer uso de outras drogas, era fumante e depravado. Gostava de apostar em cavalos e assistir lutas de boxe. E mesmo nas situaçãoes mais deprimentes, nunca perdia seu bom-humor. Não era o maior poeta de seu tempo, mas vivia de seus escritos e era reconhecido por seu estilo de escrita. Muitas mulheres queriam chocá-lo para fazerem parte de seu rol de mulheres, aquelas que marcaram sua vida e que iam parar em seus livros. Foi casado, mas
separou-se, tinha problemas em manter relacionamentos. Suas brigas eram intensas, sempre acompanhadas com atitudes enérgicas e radicais.
Bukowski era um típico sarjeta, vivia no fundo do posso, convivia com prostitutas, malandros, drogados, quase sempre bêbado, causando transtornos por onde passava. Era um crítico ferrenho das pessoas.
Apesar de alguns momentos de tristeza, onde melancólicamente ele reflete e até mesmo se culpa por seu destino, ele tinha no peito um coração bom, honesto. Dá pra sentir em suas palavras, uma certa esperança na humanidade, na aceitação da verdadeira natureza do ser-humano.
É possível alguém fazer do inferno um paraíso? Bukowski veio para ajudar a responder essa pergunta. A naturalidade que ele tratava as situações e as "loucuras" humanas é respeitável. Ele não queria provar nada a ninguém e gostava de conviver com pessoas que pensavam o mesmo. Um dos importantes recados que esse notável escritor deixou, foi que o mais importante é a pessoa se aceitar como ela é, e ser feliz do jeito dela, sendo honesta e não iludindo ninguém. Mais vale ser um safado feliz que um moralista infeliz.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

A REVOLTA E OS MOVIMENTOS ESTUDANTIS NA FRANÇA E NO BRASIL NOS ANOS 1960


INTRODUÇÃO

 

Para uma melhor compreensão dos fenômenos políticos envolvendo a juventude na década de 1960, na França e no Brasil, faz-se necessária uma breve contextualização que, longe de uma completa recuperação histórica, referencie o ambiente vivido à época.

Muitos autores classificam as revoltas de maio de 1968 como um divisor de águas na vida francesa. O descontentamento de setores da sociedade com o governo conservador do general Charles de Gaulle, que presidiu o país de 1959 a 1969, balançou as estruturas do governo.

Há que se destacar que de Gaulle - engajado no serviço militar francês desde a 1ª Guerra Mundial - cumpriu, na história do país, papel destacado na resistência à invasão da França pela Alemanha, a partir de 1940. Após a libertação de Paris em 1944, retornou como chefe do Governo provisório. Eleito presidente em 1958, assumiu em janeiro de 1959. Nos 10 anos de seu governo, o populismo, a centralização das decisões na mão do presidente e posturas políticas polêmicas nas relações internacionais fizeram-no adorado por muitos franceses e odiado por outros.

A Política Gaullista após o advento da 2ª Guerra Mundial, recusando qualquer associação da França com as políticas emanadas dos Estados Unidos ou da então União Soviética, a ascensão do ideário comunista e socialista no meio dos trabalhadores e do movimento estudantil, com suas reivindicações de melhorias na educação e mais liberdades, inclusive sexuais, conformaram um ambiente propício a manifestações e greves que foram fortemente reprimidas pelas forças policiais.

Já no Brasil, num período marcado pela chamada Guerra Fria, implementação de reformas de base por sucessivos governos sustentados pelos então Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido Comunista do Brasil (PCB), a conturbação política, aliada a uma crise econômica, predominou. Com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, a situação se agravou. Mesmo questionado, o vice, João Goulart, assumiu a presidência por curto período, sendo deposto em 1964 por um golpe militar.

A partir daí, todas as vozes de contestação ao regime foram sufocadas. Sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais foram fechados, como também entidades estudantis como as Uniões Estaduais e a União Nacional dos Estudantes (UNE) e mesmo as instituições universitárias tiveram seu cotidiano alterado pela intervenção militar. E 1968 foi marcado pelas crescentes manifestações estudantis contra a ditadura, redundando no aumento da repressão.

Invariavelmente, desde então, lideranças de movimentos campesinos, sindicais estudantis e de setores sociais ligados principalmente às igrejas foram perseguidas, presas, exiladas, torturadas e mortas. Ainda assim, coube ao movimento estudantil e às organizações de esquerda postas na clandestinidade, significativo protagonismo político e cultural na luta de resistência à ditadura.

 

JUVENTUDE E OS MOVIMENTOS CONTESTATÓRIOS

 

Segundo o sociólogo Georges Lapassade (1960) a ideia social de juventude desta época estava relacionada com uma "rebeldia sem causa", sendo a “inadaptação” da juventude à vida coletiva e sua oposição às condições de existência dita “adulta” comportamentos marcantes. Isso se manifestava, sobretudo nos países mais industrializados do mundo contemporâneo. Ou seja, em toda parte no mundo, uma minoria de jovens, reunidos em grupos “informais”, vive à margem, desenvolve condutas agressivas, chama a atenção do público e dos observadores por meios que estão fora da ordem estabelecida. Periodicamente, o público é informado pela imprensa. Consagram-se conferências ao “mal da juventude”, à sua “revolta sem causa”. Publicam-se relatórios oficiais sobre a questão. Psicólogos e sociólogos recorrem a entrevistas que permitem acumular as descrições, sem entretanto chegar a definir claramente os fatos observados e a lhes dar a razão. Tudo se passa, então, como se a sociedade estivesse reduzida a constatar aquele mal e a apontar os meios de repressão. (LAPASSADE, 1968, p. 113 apud VIANA, 2010.).

Assim a juventude é um produto social e histórico (VIANA, 2004) e, portanto, é nas relações sociais que se encontram as fontes de sua contestação. (CARANDELL, 1979; VIANA, 2004).

Mas o que é a juventude? Segundo Viana (2004), trata-se de um grupo social em processo de ressocialização. O autor explica que

No processo de socialização, a criança, através da família, da escola e da comunidade, é preparada para viver no interior de determinadas relações sociais, instituídas pelo capitalismo, adquirindo habilidades (falar, ler, escrever, etc.),valores, padrões de comportamento, etc., e um certo grau de saber necessário para sua idade e atividades sociais. O processo de ressocialização visa, fundamentalmente, preparar a força de trabalho para sua inserção no mercado de trabalho. A escola atua nos dois processos, mas de forma diferenciada, pois na ressocialização se fornece uma escolarização que permite a entrada no mercado de trabalho, seja apenas promovendo a exigência mínima em determinadas fatias deste mercado (ensino médio), ou mais aprimorado (cursos técnicos) e o de maior exigência, o ensino superior especializado (universidade). Ao lado da preparação da força de trabalho, o jovem também é preparado para o processo de imputação de responsabilidades sociais. Além da inserção no mercado de trabalho, o adulto também deve realizar outras atividades sociais, entre as quais as obrigações familiares e sociais em geral (casamento, sustento da família, cuidado dos filhos, atividades civis e institucionais, etc.). O processo de ressocialização é uma preparação do jovem para que ele se insira na “vida adulta”. (VIANA, 2004, p. 38-39).

Contudo, o trabalho, a família, as obrigações civis e políticas, entre outras, são de uma sociedade específica e trazem suas marcas nesse processo. É uma ressocialização para preparar o indivíduo para assumir o papel de adulto-padrão (LAPASSADE, 1975 apud VIANA, 2004) e este é aquele que reproduz a sociedade capitalista, se submetendo ao trabalho alienado, ao mercado, etc. Logo, é uma ressocializacão repressiva e coercitiva. (VIANA, 2004).

 

ORGANIZAÇÃO X AUTOGESTÃO

 

No movimento estudantil francês da década de 1960 observa-se a influência de correntes ideológicas derivadas do marxismo, mas há o predomínio da prática de autogestão com divisão das responsabilidades entre todos os membros de um coletivo se fortalecendo na luta autônoma. Essas práticas autogestionárias remontam ao socialismo utópico-abstrato do século XIX, embora antecedentes já existissem, mas sob formas mais restritas e menos delineadas e totalizantes. O projeto autogestionário se distingue dos projetos socialdemocrata e bolchevista por não pregar a conquista do poder estatal e sim sua destruição e substituição pela autogestão social generalizada.

Essa ala do movimento estudantil uniu ocupação das universidades com busca de apoio dos trabalhadores e ocupação de fábricas. É nesse contexto que a palavra de ordem “autogestão” ecoou e, junto com ela, uma aliança entre estudantes e proletariado que gerou a ocupação de universidades e manifestações estudantis, entre outras ações, como um amplo movimento grevista que atingiu cerca de 10 milhões de operários na França.

Não é acidental que a “revolução” tenha começado nas faculdades de Sociologia e Psicologia de Nanterre. Os estudantes viram que a sociologia que lhes era ensinada era um meio de controle e manipulação da sociedade, e não um meio de compreendê-la de modo a transformá-la. No decorrer, eles descobriram a sociologia revolucionária. Rejeitaram o nicho reservado para eles na grande

pirâmide da burocracia, o de “especialistas” a serviço do poder tecnocrático,especialistas do “fator humano” na equação industrial moderna. Descobriram também a importância da classe trabalhadora. O impressionante é que, pelo menos entre os estudantes ativos, estes “sectários” subitamente pareceram ter se tornado a maioria: seguramente esta é a melhor definição de qualquer revolução. (BRINTON, 2002, p. 19-20).

A palavra contestação significa recusa, questionamento. Contestação é o ato de manifestar descontentamento contra algo e isso pode ser realizado sob formas distintas.  Se a contestação é em relação ao conjunto das relações sociais, então é revolucionária, radical, pois coloca em questão a totalidade da sociedade e propõe uma nova sociedade. A contestação social mais significativa é aquela em que uma coletividade (grupos, classes, organizações) recusa e age contra determinadas relações sociais de forma consciente de seu caráter social.

Para Amaral Vieira (1970) as fases da “revolta da juventude”, se dividem em: a) delinqüência; b) Beatles e Hippies; c) protesto político. Podendo, a contestação juvenil se realizar na seguinte seqüência: a) lutas imediatistas; b) lutas estilistas; c) lutas institucionais; d) lutas autônomas; e) lutas revolucionárias

 

A BUSCA DE UMA REVOLUÇÃO POLÍTICA E CULTURAL E SUA REPRESSÃO

 

A década de 1960 foi pródiga em movimentos contestatórios e revolucionários em nível internacional. Acerca de tal realidade, Ridentti (1997) registra que

Em termos internacionais, foram vitoriosas ou estavam em curso inúmeras revoluções de libertação nacional, por exemplo, a Revolução Cubana (1959), a independência da Argélia (1962) e a guerra antiimperialista em desenvolvimento no Vietnã. O êxito militar dessas revoluções é fundamental para se compreender as lutas e o ideário contestador nos anos 60: havia povos subdesenvolvidos que se rebelavam contra as grandes potências, para criar um sonhado mundo novo. (RIDENTTI, 1997, p.13).

 

Tanto no Brasil como na França os movimentos estudantis tiveram grande peso nas revoltas e mobilizações daquela década. Juntamente com professores, a classe trabalhadora e intelectuais se reuniriam, discutiriam ideias e protestariam não só por interesses de classe, mas por novos valores para a sociedade, valores anti-capitalistas, anti-imperialistas, humanizadores e anarquistas que se chocariam com a moral vigente das gerações anteriores. Essa juventude buscava principalmente mudança nas relações sociais que eram vistas como arcaicas. Por isso muitos movimentos de revolta do final daquela década foram muito mais uma revolução cultural do que política.

Ilustra esta perspectiva a experiência dos Centros Populares de Cultura (CPC), vivenciada entre 1961 e 1964 no Brasil, criada por um grupo de artistas e intelectuais em articulação com a União Nacional dos Estudantes e que teve como principais articuladores o dramaturgo Oduvaldo Viana Filho, o cineasta Leon Hirszman e o sociólogo Carlos Estevam Martins.

Com autonomia administrativa o CPC funcionou inicialmente como

uma empresa, sem verbas governamentais teve que criar estratégias para manter uma folha de pagamento e ainda investir em diversos departamentos culturais. Participou do projeto UNE-Volante, uma caravana que percorreu diversas capitais brasileiras realizando espetáculos teatrais, debates políticos e shows musicais durantes os anos de 1962 e 1963 visando politizar a massa estudantil acerca dos problemas do ensino superior brasileiro. A união estudantil aproveitou da capacitação artística do CPC para propagar a idéia da reforma universitária, pagou por esse serviço e conseguiu mobilizar várias unidades regionais nessa campanha. (RAMOS, 2006, p. 4).

 

Também neste ambiente de contestação à ditadura e de valores culturais, o "Cinema Novo", que teve seu auge entre 1963 e 1970, envolve a juventude com uma proposta de produção artística comprometida com transformações no país. São marcos deste movimento 3 filmes produzidos em 1963 por jovens cineastas: "Os Fuzis", de Ruy Guerra, "Vidas secas" de Nelson Pereira dos Santos, e "Deus e o diabo na terra do sol", de Glauber Rocha. A exibição simultânea dos dois últimos no Festival de Cannes, na França, em 1964, ampliou internacionalmente a repercussão da produção cultural e da realidade brasileira naquele período.

Na música, jovens compositores e cantores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e Chico Buarque de Holanda destacavam-se com músicas de protestos e denúncia da realidade brasileira. As concepções estéticas do movimento musical "Tropicália" viriam a influenciar todo um modo de agir da juventude, que se expressava em roupas coloridas, penteados que fugiam aos padrões tradicionais e mudanças comportamentais.

Em "Produção de cultura no Brasil: da Tropicália aos Pontos de Cultura", Carvalho (2009) registra a experiência dos CPCs, as campanhas de alfabetização de adultos promovidas por estudantes e intelectuais e o movimento tropicalista como expressões da efervescência no Brasil – em termos de políticas e motivações refletidas na produção cultural – na década de 60.

 

A Tropicália (ou Tropicalismo) era, no entanto, mais um “momento” do que um movimento organizado – se comparado a outros movimentos de resistência da época. Um momento convergente de questionamentos e experimentações na produção artística do país, que propunham novas formas de se relacionar – com as artes, com o público, com a política - em busca uma identidade nacional brasileira. Este pensamento convergente não deixava de ter suas especificidades relativas às diferentes áreas culturais – música, artes plásticas, cinema, teatro – mas refletiam uma “vontade construtivista geral” de articular novas formas no fazer artístico e dar um pouco mais de cor ao cenário artístico, cultural e político do país na época. (CARVALHO, 2009, p.  66).

 

No prefácio da mesma obra, Nercolini (2009) sustenta que

Um ator social adquire forma e vai ser fundamental quando se fala na década de 60 como um todo: a juventude. Ela passou a exigir e lutar por um espaço na sociedade, que até então lhe fora negado ou restringido. Para essa juventude/60, a contestação foi a pedra de toque; os jovens buscavam criar seus próprios espaços de criação e manifestação, contrapondo-se aos padrões sociais vigentes. Havia uma confluência das várias artes e seus criadores e uma busca dos jovens por interferir nos rumos das sociedades onde viviam e criavam. Arte, cultura e política articulados em busca da revolução, a palavra que deu o tom dos anos 60. Tomada em diferentes acepções de acordo com a tendência política a que o artista estava ligado, a revolução deu a linha para a criação de muitos e importantes artistas plásticos, cantores, compositores, poetas, escritores ou cineastas, quanto de dramaturgos, atores e intelectuais acadêmicos. Esses criadores acreditavam ser uma vanguarda revolucionária e buscavam agir como tal. Imbuídos da “missão” de construir o novo, a nova sociedade, a arte, a música, o teatro, o cinema novo, renegavam o status quo estabelecido e sentiam-se capazes de fomentar transformações macrossociais e ditar rumos considerados mais justos para as sociedades onde viviam. Acreditava-se na eficácia política da arte revolucionária. (NERCOLINI, 2009, p. 18 -19)

 

No Brasil, após o golpe militar de 1964, a UNE (União Nacional dos Estudantes) foi posta na ilegalidade. Mesmo assim continuou atuando na clandestinidade até 1968 quando milhares de estudantes foram presos.

Em março daquele ano, quando participava de um protesto contra o aumento do preço das refeições no restaurante universitário "Calabouço", o estudante secundarista Edson Luis de Lima e Souto, de 18 anos, foi morto por um tiro a queima roupa de um policial militar. Alguns historiadores registram este como o primeiro assassinato de estudante no regime ditatorial instaurado a partir de 1964. Várias outras manifestações de estudantes foram reprimidas por forças policiais no Rio de Janeiro.

Em 22 de junho de 1968, uma manifestação estudantil, em frente à embaixada norte-americana no Rio, culminou com uma batalha campal que ficou conhecida como "Sexta-Feira Sangrenta". Dela resultaram 28 mortes, centenas de feridos, mil presos e 15 viaturas da polícia incendiadas. Quatro dias depois, em 26 de junho realizava-se a maior manifestação pública daquele período, a "Passeata dos Cem Mil". O movimento, considerado uma das mais expressivas manifestações da história republicana brasileira, contou também com a participação de artistas, intelectuais, políticos e representantes de segmentos da sociedade civil. Reivindicou o fim da ditadura e denunciou a privatização das universidades e o acordo MEC-USAID, instituído em Novembro de 1966, entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID), que promoveu uma reforma no ensino brasileiro, alterando o tempo de duração de cursos, instituindo os cursos de "primeiro grau", "segundo grau" e "terceiro grau", reduzindo a carga horária da matéria de História e impondo ao Brasil a contratação de assessoramento Norte-americano e a obrigatoriedade do ensino da Língua Inglesa desde a primeira série do primeiro grau. (WIKIPEDIA, 2013).

 

Outro fato histórico daquele período foi o desmantelamento, pelo aparato policial militar, do clandestino 30º Congresso da UNE. Em sua edição de 13 de agosto de 1968, o jornal Folha de São Paulo assim registrou o fato:

Cerca de mil estudantes que participavam do XXX Congresso da UNE, iniciado clandestinadamente num sitio, em Ibiuna, no Sul do Estado, foram presos ontem de manhã por soldados da Força Publica e policiais do DOPS. Estes chegaram sem serem pressentidos e não encontraram resistencia. Toda a liderança do movimento universitario foi presa: José Dirceu, presidente da UEE, Luís Travassos, presidente da UNE, Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana de Estudantes, e Antonio Guilherme Ribeiro Ribas, presidente da União Paulista de Estudantes Secundarios, entre outros. Eles foram levados diretamente ao DOPS. Os demais estão recolhidos ao presidio Tiradentes [...] Depois de avançar alguns quilometros de carro e outro trecho a pé, por causa da lama da estrada, 215 policiais chegaram ao local às 7h15 de ontem, organizaram o cerco aos estudantes e dispararam algumas rajadas de metralhadora para o ar, para intimidá-los. Sem resistir, os congressistas foram colocados em fila e levados aos onibus requisitados para transportá-los para a capital. O governador Abreu Sodré, ao ser homenageado por trabalhadores do DAE, no Horto Florestal, referiu-se ao episodio e reafirmou sua disposição de "manter a paz e a tranquilidade para a população que deseja trabalhar". E acrescentou, referindo-se à prisão dos participantes do congresso da UNE: "Agi com energia para reprimir a agitação e a subversão quando determinei, após horas de angustia e apreensão, a prisão de estudantes subversivos que participavam do congresso da UNE.

(FOLHA DE SÃO PAULO, 1968) [mantida a grafia original]

 

 

Após estes episódios, e objetivando conter a crescente insatisfação popular, o governo militar edita, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional Nº 5, que fechou o Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, cassou direitos civis, proibiu manifestações públicas de natureza política e instituiu a censura no país,  estendida à imprensa, à música, ao teatro e ao cinema. A partir daí, diversos segmentos do movimento estudantil ligados a organizações políticas optaram por movimentos de guerrilha, respondendo no mesmo tom dos militares.

 

AS ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS NO CONTEXTO BRASILEIRO DOS ANOS 60

Segundo Santana (2007), o PCB – sigla que, até 1961, correspondeu a Partido Comunista do Brasil e, daí em diante, a Partido Comunista Brasileiro –tinha forte influência no movimento estudantil nesse período. Além de alterar o seu nome, o PCB havia assumido uma nova linha política, após discussões incansáveis: a concepção da revolução brasileira em duas etapas.

Para Gorender (1987) tal concepção era proveniente do Sexto Congresso da Internacional Comunista, realizado em 1928, e se apresentava da seguinte forma: “a primeira etapa em curso seria a da revolução nacional e democrática, de conteúdo antiimperialista e antifeudal. Após a vitória dela é que se passaria à segunda etapa – a da revolução socialista”.

Santan (2007) aponta ainda que, para realizar a revolução, o PCB também propunha uma aliança de forças sociais que incluía o proletariado, os camponeses, a pequena burguesia e a burguesia nacional. O partido, assim como outras organizações de esquerda, tinha como requisito a hegemonia do proletariado, mas também acreditava poder fazer uma aliança com a burguesia, vista pelas outras esquerdas como uma classe vacilante, que defendia apenas interesses próprios.

Já o Partido Comunista do Brasil (PC do B), originado da cisão do PCB em fevereiro de 1962, era outra entidade de esquerda que aglutinava estudantes. A coexistência de dois partidos comunistas foi formalizada numa Conferência Nacional Extraordinária, na qual o PC do B aprovou um Manifesto-Programa que defendia a conquista de um governo popular revolucionário e repelia a luta pelas reformas de base. Para os militantes do novo partido a “tarefa imediata devia ser a instauração do novo regime – antiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista. O que não se daria pelo inviável caminho pacífico, porém pela violência revolucionária”. (GORENDER, 1987).

Criado em 1953, o Partido Operário Revolucionário (Trotskista) – POR (T) – também tinha grande adesão de estudantes no início dos anos 60. Filiado à Quarta Internacional, o POR (T) vinculou-se à facção orientada pelo argentino Homero Cristali – cujo pseudônimo era J. Posadas –, que havia elaborado um modelo de transição do nacionalismo pequeno-burguês para o Estado operário, com inspiração na revolução cubana.

Outra organização comunista com expressão no meio estudantil entre 1961 e 1964 era a ORM-POLOP (Organização Revolucionária Marxista – Política Operária), que desde o início reuniu intelectuais em torno da crítica ao PCB e a sua insistência em viabilizar a revolução através da aliança com a burguesia. Produzia um jornal, que depois se transformou em revista, chamado Política Operária, onde apresentava seus posicionamentos políticos.

Daniel Aarão Reis Filho aponta que a intenção da POLOP era “constituir um movimento operário independente da tutela das classes dominantes”, formando um “partido revolucionário de vanguarda”. Embora tivesse toda essa vontade de conduzir a revolução brasileira, a ORM-POLOP, assim como o POR(T), não obteve muito sucesso, como evidencia Gorender (REIS FILHO,1987, p. 36)

Também com expressiva influência junto à juventude universitária da época, outra organização política de foi a Ação Libertadora Nacional (ALN), que tinha em Carlos Marighella sua principal liderança. Expulso do PCB depois de participar, em Havana, sem autorização do partido, da Conferência Internacional que deu origem à Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS) – comprometida com as definições cubanas sobre a luta armada no continente –, Marighella, juntamente com as bases paulistas, criou, em julho de 1968, o agrupamento comunista de São Paulo, que pouco tempo depois recebeu o nome de Ação Libertadora Nacional (ALN). A nova organização, assim que se formou, partiu imediatamente à prática de ações armadas, rompendo de vez com o caminho pacífico defendido pelo PCB, e aglutinou muitos estudantes – sendo a maioria, cerca de 70%, proveniente da Dissidência Estudantil de São Paulo – e membros da Corrente Revolucionária, principalmente de Minas Gerais. Embora seguisse a teoria cubana de revolução, incorporou elementos da experiência brasileira e do pensamento individual do seu fundador, destacando-se em ações de guerrilha urbana.

Segundo Gorender (1987, p. 98) em dezembro do mesmo ano, a ALN começou os assaltos com finalidade de expropriação de fundos. A primeira ação – como se dizia na esquerda armada – interceptou um carro transportador de dinheiro, no bairro paulistano de Santo Amaro [...]. Seguiram-se outros assaltos a agências bancárias, a expropriação do carro pagador da Massey Ferguson, a apreensão de explosivos da Companhia Rochester, em Mogi das Cruzes. A ação mais sensacional foi o assalto a um trem pagador da estrada de ferro Santos-Jundiaí, em 10 de agosto de 1968.

Ao longo de 1968, não se conhecia os autores das ações armadas, até que, depois de um assalto ao carro pagador do Instituto de Previdência do Estado da Guanabara (IPEG), em 13 de novembro do mesmo ano, a polícia prendeu o motorista do veículo usado pelos guerrilheiros, e este, sob tortura, revelou a participação de Marighella na ação. A partir de então, Marighella tornou-se o inimigo público número um dos órgãos de repressão. Vale comentar que o desfecho dessa ação foi trágico, pois, na volta para São Paulo, os dois estudantes que participaram do assalto morreram em uma colisão de seu carro com um caminhão.

Essa seqüência de embates políticos, aliada ao início da participação de estudantes em ações armadas, provocou um desgaste muito grande do movimento estudantil. Tanto que o 30º Congresso da UNE, é mencionado por vários autores como o ápice da quebra de unidade no movimento. (SANTANA, 2007)

 

AS MOBILIZAÇÕES NO CONTEXTO FRANCÊS

 

 

Na França existia a UNEF (União Nacional dos Estudantes Franceses) que foi importantíssima para a revolta generalizada de Maio de 1968. Havia, como no Brasil, uma disputa entre os "partidos" estudantis de esquerda dentro da UNEF. A UNEF foi controlada pelos comunistas a partir de 1962. Em 1965 três correntes foram expulsas da UNEF: simpatizantes do comunismo italiano, trotskistas e maoistas. Ela acabou dividida em duas: a UNEF dirigida pela extrema esquerda e a UNEF renovada, dirigida por comunistas e outros partidos reformistas. O presidente da UNEF em 1968 era Jacques Sauvagcot, e foi ele um dos principais líderes do maio de 68.

O grupo que seria responsável pelo estopim da revolta de maio de 1968 surgiu a partir da Unidade Universitária de Nanterre, periferia de Paris. Chamava-se "22 de Março", e sua primeira revolta foi motivada porque os estudantes da ala masculina da moradia estudantil eram proibidos de visitar a ala feminina.

Grupos de extrema esquerda, poetas, músicos e cerca de 150 alunos ocuparam o prédio da Universidade de Paris em Nanterre. A administração da instituição convocou a polícia, que cercou o prédio.  Após criticarem a discriminação de classe na sociedade francesa, a burocracia que controlava a universidade e publicarem um manifesto, os estudantes deixaram o prédio. Dias depois, no entanto, os líderes do movimento foram convocados pelo comitê disciplinar da universidade.

Após meses de conflito, em 2 de maio a universidade em Nanterre foi fechada, gerando protestos de estudantes e professores da Universidade de Sorbonne no dia seguinte, que também foram reprimidos. No dia 6 de maio, uma manifestação estudantil no Arco do Triunfo, com apoio de trabalhadores, reivindicou a libertação de estudantes presos e a retirada de todas as acusações contra eles e a reabertura das Universidades em Nanterre e Sorbonne, com a consequente retirada das forças policiais dos espaços universitários.

Também preocupado com uma aliança eleitoral estabelecida entre os comunistas e socialistas franceses em fevereiro de 1968, o governo de Charles de Gaulle prosseguiu na contenção violenta das mobilizações. Sucederam-se, no mês de maio, manifestações e choques com a polícia (onde manifestantes montaram barricadas e atiraram coquetéis molotov contra as forças de repressão), ocupações de fábricas pelos trabalhadores e uma greve geral de um dia que contou com a participação de cerca de 10 milhões de pessoas, o equivalente a pouco mais de 20% da população das regiões metropolitanas francesas na época.

Mesmo após as principais federações sindicais de esquerda, a Confédération Génerale de Travail (CGT) e a Força Ouvrière (CGT-FO) celebrarem acordo com as entidades patronais francesas assegurando melhorias salariais aos trabalhadores e o Partido Comunista Francês posicionar-se contrário, por considerar que não havia condições de derrubar o governo instalado pela via da força, mas sim pelo caminho eleitoral, as manifestações prosseguiram, insufladas por militantes socialistas e anarquistas, como Daniel Cohn-Bendit, um alemão judeu de 23 anos que estudava sociologia, frequentava encontros e atos anarquistas e liderava o grupo 22 de Março. Em 28 de maio, Francois Mitterrand, da Federação da Esquerda Democrática e Socialista, afirmou estar pronto para formar um novo governo.

Temeroso quanto a uma iminente guerra civil, no final de maio o primeiro ministro Georges Pompidou pressionou de Gaulle a fechar a Assembleia Nacional, convocar eleições e renunciar. Sucedeu-se um momento de vácuo de governo e manifestantes comemoravam nas ruas o "triunfo da revolução" e uma propalada fuga do presidente. No entanto, contrariando as expectativas, de Gaulle não renunciou, convocou eleições legislativas para 23 de junho e ordenou que os trabalhadores voltassem ao trabalho, sob a ameaça de instituição de Estado de Emergência no país caso isso não ocorresse. Imediatamente após sua manifestação, ocorreu uma marcha de 800 simpatizantes pela Champs-Elysées em apoio ao governo.

Com as ações carismáticas de Charles de Gaulle e a concordância do Partido Comunista Francês com as eleições, o movimento contestatório rapidamente se dissipou. Nas eleições de 23 de junho, os gaullistas obtiveram um número de cadeiras ainda maior na Assembleia Nacional. Após a estrondosa vitória, de Gaulle renunciou, sendo sucedido por Pompidou.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

 

Para Matos (1998), 1968 recusou cabalmente pertencer ao século XX,

 

[...] criticou a sociedade do espetáculo, a ética do consumo, o urbanismo da alienação em nome da lógica do mercado, da indústria, da ciência e da técnica despoetizadoras. Criticou o cientismo - a adesão à "ciência em si", atitude que não interroga seus fins, se justos ou desejáveis. Recusou o trabalho alienado, que "arruina o corpo e martiriza o espírito"; recusou a alienação material e moral. Recusou a política tradicional, a moral tecnocrática, a lógica da hierarquia e da submissão muda; recusou a transcendência do poder e a eficácia de suas leis. [...] o movimento de 1968 foi vermelho, negro e azul, aliando as cores do marxismo, do anarquismo e do romantismo revolucionário. Cor do romantismo, o azul domina a visão do sonhador e do poeta. (MATOS, 1998, p. 4).

 

Referindo-se tanto às mobilizações na França e no Brasil, como também em diversas outras partes do mundo, Ridentti (2000) destaca algumas características dos movimentos contestatórios e libertários de 1968:

[...] inserção numa conjuntura internacional de prosperidade econômica; crise do sistema escolar; ascensão da ética da revolta e da revolução; busca de alargamento dos sistemas de participação política, cada vez mais desacreditados; simpatia pelas propostas revolucionárias alternativas ao marxismo soviético; recusa de guerras coloniais ou imperialistas, negação da sociedade de consumo; aproximação entre arte e política; uso de recursos de desobediência civil; ânsia de libertação pessoal das estruturas do sistema (capitalista ou comunista); mudanças comportamentais; vinculação estreita entre lutas sociais amplas e interesses imediatos das pessoas; aparecimento de aspectos precursores do pacifismo, da ecologia, da antipsiquiatria, do feminismo, do movimento de homossexuais, de minorias étnicas e outros que viriam a desenvolver-se nos anos seguintes. (RIDENTTI, 2000, p. 156).

 

Já Weber (1999) considera que o movimento de 1968 foi dirigido contra todas as formas autoritárias de poder, expressas tanto nas escolas e universidades, quanto na família, nas relações de trabalho, em todas as organizações e na sociedade política. Para o escritor e senador pelo Partido Socialista francês em 1999, o conturbado cotidiano de maio de 1968 na França

[...] É a rejeição de toda a forma de poder baseada na força, na coação e na tradição. E é a aceitação como única forma de poder legítimo do que for baseado no consentimento dos indivíduos, seja porque eles reconheçam o poder como competente, seja porque eles mesmos o designaram mediante eleições. É a aspiração ao direito de participação para todos igualmente, à tomada de decisões. (WEBER, 1999, p. 22).

 

Conclui-se que algumas semelhanças existiram entre os Movimentos Estudantis francês e brasileiro. Os estudantes franceses não acreditavam no bom senso do governo e sim na opinião e criatividade das massas, assim como os estudantes brasileiros, que lutavam contra a ditadura e pelo direito à democracia.

 

Respeitadas as singularidades de cada realidade, alguns pontos comuns nos dois países, como em diversas partes do mundo eram bastante sensíveis, como a crescente urbanização, massificação imposta pela indústria cultural, ampliação do número de jovens na composição etária das populações, aumento das classes médias, ampliação do acesso ao ensino superior, avanços tecnológicos como o surgimento e rápido crescimento da televisão como meio de comunicação de massa e surgimento de expressões culturais com repercussões mundiais, mais notadamente dos Beatles, que influenciaram toda uma geração.

 

As mobilizações ocorridas naquele período revestiram-se de grande aspiração por democracia, liberdade, igualdade, além da ampliação e respeito aos direitos individuais e coletivos e da rejeição de todas as formas de dominação, expressas em modelos tradicionais ou mesmo naqueles apresentados à época como ultramodernos.

 

Seguramente, as manifestações de 1968 inserem-se na História contemporânea com reflexos que são alvo de muitas discussões e análises nos tempos atuais, inclusive com vários dos personagens daquele período ocupando cargos destacados nos parlamentos e governos de vários países, entre eles França e Brasil.
No entanto, longe de mitificar aquele período, certo é que, para além de identificar as transformações políticas e culturais que gerou, permanece presente no comportamento juvenil o desejo de um futuro renovado. E igualmente permanece atual o questionamento, na sociedade em geral, da factibilidade dos sonhos libertários acalentados pelos "rebeldes" de 1968